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Juros: em um ano, financiamento de carros seminovos encarece R$ 5 mil

Taxa de financiamento saiu de 1,53% ao mês no ano passado para 1,98% ao mês em abril deste ano. Valorização dos seminovos também atrapalha

Uma diferença de R$ 5 mil em apenas um ano: financiar carro seminovo dito popular, avaliado em cerca de R$ 70 mil, está cada vez mais difícil no Brasil, sobretudo em um cenário no qual os modelos mais vendidos do Brasil valorizaram cerca de outros R$ 5 mil entre dezembro e maio deste ano.

Ou seja: quem sonha em andar motorizado precisa conviver com a valorização dos seminovos e com uma taxa de juros ao mês que saltou de 1,53% em abril do ano passado para 1,98% ao mês no mesmo período deste ano, conforme dados da Bolsa de Valores.

“O cliente está procurando aquele semi-novo próximo do zero, aquele carro pouco rodado. As taxas de juros subiram, mas o cliente não está deixando de comprar por conta disso. Ele está olhando se a parcela cabe no bolso. Muitas vezes, ele em vez de financiar em 24 vezes, financia em 36”, diz Flávio Maia, diretor da Associação dos Revendedores de Veículos no Estado de Minas Gerais (Assovemg) e proprietário da concessionária AutoMaia Veículos (foto), situada na Avenida Amazonas, 1.518, no Bairro Barro Preto, em BH.

Dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram que o Hyundai HB20 é o carro mais vendido do Brasil no momento. Considerando o modelo 2020 do veículo, a Tabela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) mostra que o modelo deste ano em específico está avaliado em R$ 71 mil.

Dessa maneira, um financiamento de 36 meses do hatch, com uma entrada de R$ 14,2 mil (20% do valor total), sai R$ 5.671,67 mais caro atualmente do que há um ano. 

Apesar disso, Flávio Maia, diretor da Assovemg, garante que o consumidor tem feito adequações para comprar seu veículo, ainda que em condições piores.

Segundo ele, a dificuldade para solicitar carro por aplicativo, diante da evasão de motoristas do setor por conta do preço do combustível, e a situação do transporte coletivo têm motivado a procura. 

“A gente tem observado muito fortemente nas lojas que o cliente dono de um SUV, um carro 2.0, um carro mais potente que bebe mais (consome mais combustível), está procurando um veículo mais popular, em função do aumento do preço da gasolina. Outro comportamento que a gente observa é o do cliente que tem um carro mais top, que tem uma parte financiada, tentando vender esse carro para fugir do financiamento. Daí, ele pega um carro um pouco mais em conta”, afirma Maia. 

Os valores dos semi-novos também chamam a atenção. Conforme a Fenabrave, todos os cinco carros mais vendidos no Brasil neste momento estão além da marca dos R$ 60 mil – quando se considera o modelo ano 2020, considerado semi-novo.

Além do HB20, completam a lista o Fiat Argo, Jeep Renegade, Chevrolet Onix e Jeep Compass. Mais caro desse ranking, esse último SUV ano 2020 custava R$ 152 mil em dezembro. Hoje, a cotação é de R$ 156 mil – um bem totalmente inacessível para a maior parcela da população. 

O presidente da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (Fenauto), Ilídio dos Santos, afirma que o cenário atual é ruim para o mercado, mas que as oscilações “são naturais” por conta do cenário econômico e da alta taxa de juros.

A Selic saltou de 3% em maio do ano passado para 12,75% ao ano na última atualização do Banco Central. 

“O mercado já suportou esses solavancos da economia. Há muito tempo que a gente já vem acostumado com isso. Não é um fator que seja positivo e que ajuda o mercado (a alta dos juros), mas não é nada de novo, que é o fim do mundo, que vai começar a quebradeira. Não é algo dramático”, diz Ilídio dos Santos.

Crise dos semicondutores

Se a alta da Selic é explicada pelo Banco Central como alternativa para controlar a inflação, fechada em 12,13% nos últimos 12 meses, a valorização dos seminovos nos últimos meses continua explicada pela dificuldade para entrega dos carros zero quilômetro – que aos poucos começa a ser retomada. A dificuldade de acesso aos chips semicondutores, fundamentais para assegurar a tecnologia dos veículos, tem precarizado o atendimento à demanda, o que valoriza os usados. 

Ainda assim, o presidente da Fenauto Ilídio dos Santos já observa uma luz no fim do túnel. “Eles (os chips semicondutores) começam, lentamente, a serem entregues pelas fábricas do sudeste asiático, que reativaram suas linhas de montagem. Mas, são pequenas empresas, não as gigantes. Vemos que grandes empresas (montadoras) estão investindo em semicondutores por si próprias para garantir a oferta”, diz.

Números da Fenabrave, entidade que representa as concessionárias, mostram uma retomada na venda dos zero quilômetro: houve crescimento de 27,1% na passagem de abril para maio, chegando a 187,1 mil unidades, entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus. Além da retomada, ainda que pequena, dos chips, o forte crescimento se deve ao calendário com três dias a mais de venda – já que abril teve feriados em dias úteis.

Ainda para Ilídio dos Santos, da Fenauto, houve uma mudança no mercado de carros nos últimos anos, que excluiu a população mais pobre. “O problema é que o mercado brasileiro, principalmente, desacostumou a abastecer a população de renda mais baixa. Não há carros populares, de preço mais baixo”, afirma. 

Para ele, esse problema acontece porque há uma dificuldade de acesso ao crédito, o que praticamente não dá chance às famílias mais humildes. “As montadoras brasileiras investem muito mais em carros de alta tecnologia que os mais básicos, que dependem menos dos semicondutores. Assim, o mercado de seminovos e usados passa a atender essa demanda e tem resultados positivos”, completa Ilídio dos Santos.

Seguradoras em alta

Parte importante na hora de decidir comprar um carro ou não, os seguros voltaram a ser demandados com frequência. Quem trabalha no setor entende que a volta ao regime presencial motivou a abertura e renovação de apólices por clientes que abriram mão do serviço no trabalho remoto. 

“O momento tem sido muito bom. Agora, com o retorno do trabalho presencial, muitos carros (novos) que estavam encomendados desde a pandemia estão chegando agora. Então, estamos tendo um número de cotação maior que no ano passado. Tivemos carros que demoraram um ano e dois meses para chegar. Quase o tempo da pandemia todo”, diz Fernanda Costa, da Costa Corretora.

Segundo ela, a demanda cresceu mesmo com o reajuste do setor. As regras continuam as mesmas: a cotação depende do perfil do condutor, definido pelo histórico de sinistros, idade, local onde mora e até como usa o carro (para trabalho ou lazer). As piores condições continuam para os motoristas de aplicativo.

Carros por assinatura são uma boa? 

Diante do preço e das dificuldades para financiamento, uma alternativa que tem crescido é a de carros por assinatura. Em BH, a reportagem conversou com a Localiza Meoo para entender como funciona o serviço. Quem detalha o tema é o diretor-executivo da empresa, João Andrade. Ele se diz “bem otimista” com o futuro dessa fatia do mercado.

“Com a alta da taxa de juros, a gente fica bem mais competitivo. Mas, a gente vê uma mudança de comportamento do consumidor. Ele não quer mais ter que cuidar do carro. Ele quer usar o carro. É uma quebra de paradigma para muitos, mas a geração mais nova já não precisa mais dessa quebra”, afirma João Andrade. 

Apesar de não abrir os dados sobre o serviço por ser uma empresa de capital aberto, a Localiza informa que os preços das assinaturas começam com os R$ 1.549 cobrados por mês para alugar um Fiat Mobi zero quilômetro por 48 meses (dois anos).

O cliente tem 1 mil quilômetros de franquia. Mas, há serviço para todos os públicos: desde os modelos mais populares até blindados de alto luxo. 

“O que a gente está vendo é que o mercado por assinaturas segue o mercado habitual. Os tipos SUV estão muito bem. Nesse meio termo, também temos carros para serviço, como caminhonetes. O cliente que valoriza o tempo e a comodidade é quem mais procura. Esse produto está tendo um boca a boca muito eficiente. Começa a ser um tema de assunto, de conversa entre as pessoas”, afirma João Andrade, diretor-executivo da Localiza Meoo. 

Na hora de optar pela assinatura, o cliente personaliza tudo: modelo, cor e acessórios. A única regra é que o carro sempre é zero quilômetro, portanto não há intercâmbio entre os veículos usados nos aluguéis convencionais da Localiza. Caso o carro assinado não esteja disponível, o motorista conta com outro modelo alternativo para garantir a locomoção.

“Na hora da renovação do contrato, o comportamento do cliente tem peso. Ele pode garantir condições melhores se tiver um bom comportamento”, diz João Andrade.

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