Fim das coligações proporcionais tende a imprimir uma nova dinâmica nas eleições 2020 e no interior dos partidos.
O fim das coligações para a disputa proporcional a partir das eleições de 2020 continua tirando o sono dos dirigentes partidários e poderá resultar em esvaziamento de várias legendas. Os pretensos candidatos que se sentem inseguros em permanecer nos partidos em que estão filiados devem aproveitar a ‘Janela Partidária’ para trocar de legendas, ou até mesmo aguardar deliberações de suas siglas de se unirem a outras, por meio de fusões, incorporações, como já vem ocorrendo em muitas pequenas legendas.
Para o cientista político, José Henrique Artigas de Godoy, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o fim das coligações proporcionais tende a imprimir uma nova dinâmica nas eleições 2020 e no interior dos partidos. As direções partidárias terão que fazer uma seleção dos seus mais competitivos candidatos para lançá-los, sem que eles concorram com outras candidaturas do mesmo partido.
Em virtude dessa situação, Artigas acredita que o que se verá até maio de 2020 será um conjunto de fusões partidárias e a formação de federações de partidos, para conseguir êxito na disputa proporcional. De acordo com o professor, esses dois institutos deverão ser utilizados por vários partidos, que vão procurar se unir com o intuito de obter capacidade eleitoral para atingir o quórum mínimo do quociente eleitoral e cumprir a cláusula de barreira.
“Além dessa cláusula de barreira, nós temos também a cláusula de desempenho, que exige que para que o candidato consega ser eleito, tenha no seu partido não apenas o número de votos para atingir o coeficiente eleitoral, mas individualmente o candidato tem que ter 10% do número de votos do quociente eleitoral. Isso também restringe a possibilidade de eleição”.
De acordo com o cientista político, a partir de agora o que deve acontecer é uma intensa migração partidária, porque as pequenas e médias legendas, com baixa possibilidade de atingir o quociente eleitoral, vão ter que se recompor, se unir a outras legendas, ou então liberar seus filiados e, principalmente, seus candidatos, para que se filiem a outros partidos, para conseguirem se eleger.
“Caso contrário, as pequenas legendas certamente serão eliminadas nesta eleição, porque elas dependeram historicamente das coligações proporcionais com partidos médios e partidos grandes. Por meio das coligações, elas conseguiam atingir o quociente eleitoral. Agora, sozinhos, sem coligações, os puxadores de votos não conseguirão se eleger por maiores que sejam suas votações por não atingirem o quociente eleitoral pela legenda partidária”, comentou.
Artigas destacou que enquanto havia possibilidade das coligações, havia um conjunto de composições mesmo entre partidos de diferentes campos ideológicos. “Inclusive nós víamos aqui em João Pessoa, há duas eleições municipais, uma coligação muito pouco ideológica, plenamente fisiológica, que foi do PT com o PP. E isso, é claro, mostrava a fisiologia expressa nos processos eleitorais e nas coligações que deturpavam o sentido da coligação proporcional”, avaliou.
De acordo com o professor, a votação proporcional visa exatamente garantir uma aproximação cada vez maior, com a particularidade ideológica do partido. “Quando um partido se coliga com outro disposto no espectro ideológico em campo diferente, isso tornava a relação fisiológica e o eleitor acabava votando em um candidato de um partido e elegendo o candidato de outro partido, que muitas vezes era de outra tendência ideológica. Isso claro, favoreceu historicamente a falta de legitimidade de representatividade dos eleitos. Então o eleitor votava no Lula e elegia o Maluf, votava no PT e elegia o PP, que tem espectros opostos, no campo ideológico. As coligações proporcionais só existiram no Brasil; nenhum outro país do mundo possui coligação em âmbito proporcional. É uma excrescência da legislação brasileira que, finalmente, termina”, declarou.
Consequências da nova regra
Para o cientista político José Henrique Artigas, com o fim das coligações partidárias, uma nova vertente de fisiologia passa a vigorar. “Essa fisiologia vai mudar de característica, porque agora, sem as coligações proporcionais, os candidatos vão migrar. Não são os partidos que vão se aliar com outros partidos, mas os seus integrantes também vão buscar uma alternativa eleitoral competitiva”, comentou.
Segundo ele, na próxima eleição municipal, haverá um panorama eleitoral muito diferente do que sempre tivemos nas eleições anteriores. “É muito difícil fazer projeções de qual vai ser o cenário eleitoral, porque o eleitorado havia se acostumado com o modelo eleitoral que envolvia as coligações. Agora, o personalismo tende a se aprofundar. Por isso, os que detêm mandatos estão bastante preocupados, ou se eles estão sem partido, ou se estão em pequenas legendas agora eles vão ter que migrar”, afirmou.
Para o professor, a janela de migração partidária do ano que vem vai ser bastante intensa para migração. “Contudo, antes da janela de migração partidária deve ocorrer um processo de fusões e de construção de federações de partidos. O PCdoB, por exemplo, já se fundiu com outro pequeno partido, o PPL com vistas a obtenção do número mínimo de votos para atingir o quociente eleitoral”, lembrou.
De acordo com Artigas, essa deverá ser uma tendência geral para sobrevivência partidária nas eleições do próximo ano. “Há uma perspectiva no campo da Ciência Política de uma redução de até 12 partidos. Hoje nós estamos com 37 oficiais. A perspectiva é de chegar em torno de 24 a 27 partidos para as próximas eleições, demonstrando um certo enxugamento de partidos pequenos e de características fisiológicas, que tendem a desaparecer inserindo seus militantes, filiados e candidatos em outras legendas”, revelou.
Como resultado, o professor afirma que haverá aumento das disputas intrapartidárias e mais negociação prévia, antes do início do processo pré-eleitoral, exatamente para permitir que seus candidatos e filiados migrem ou se readaptem a nova configuração das legendas.
“As negociações para os lançamentos de candidaturas tendem a ser antecipadas, tendem a se firmar ainda durante esse ano, ou começo do ano que vem. Vamos ter uma dinâmica completamente diferente, e de fato ninguém sabe ainda qual vai ser o resultado concreto dessa nova dinâmica porque o eleitorado precisa se acostumar com essa com essa nova realidade”, declarou.
Com a mudança ocorrida na legislação eleitoral, as estrelas ou detentores de mandatos parlamentares mandatários terão que migrar de legenda porque, sem coligações, não haverá votos para eleição de todos.
Para a deputada estadual Camila Toscano, vice-presidente do PSDB da Paraíba, a eleição do próximo ano será muito difícil para que os partidos consigam manter as mesmas cadeiras que possuem hoje nos legislativos municipais.
A parlamentar tucana citou como exemplo a situação de Guarabira, onde o PSDB conta com seis vereadores e, por conta do fim das coligações para disputa proporcional, não terá condições de eleger todos na mesma base.
“É inviável, não teremos como ficar com seis vereadores dentro da mesma legenda. A própria legislação eleitoral vai fazer que ocorra uma reorganização dos partidos, porque senão ao invés de crescer, eles vão diminuir, por conta da legislação”, argumentou a deputada.
Segunda ela, em Guarabira, para eleger os seis vereadores, o partido teria que contar com mais 50% dos votos do eleitorado. “Assim, a alternativa será migrar para outras legendas, e não concentrar todos no mesmo partido”, afirmou.
Disputa proporcional será uma ‘caixa de surpresa’
Para o deputado federal Wilson Santiago, presidente do PTB na Paraíba, o fim das coligações para disputa proporcional, a partir das eleições do próximo ano, será uma “caixa de surpresa”, porque ninguém sabe qual será o resultado, mas cabe aos partidos se estruturarem, pois terão que lançar candidatos que terão que contar com seus próprios votos, tanto na situação, quanto na oposição.
De acordo com o parlamentar, nos municípios que o partido tem prefeito, haverá muitos candidatos. No entanto, onde atua como oposição, também terá facilidade para formar a chapa de candidatos a vereador.
“Tudo vai depender da situação de cada município. O partido que lidera a situação ou lidera a oposição vai conseguir arregimentar candidatos com mais facilidade. Já os partidos menores terão muita dificuldade para completar a chapa que é até 150% do número de vagas”, comentou.
Wilson Santiago explicou que em um município onde a Câmara tem nove vagas, como ocorre na maioria dos municípios paraibanos, cada partido tem o direito de lançar até 14 candidaturas, desse total, 30% devem ser mulheres, ou seja, quatro.
“Isso obriga os partidos a incluírem candidatas e precisarem buscar em vários segmentos o estímulo da participação feminina. Além disso, busca lideranças que tenham capacidade de atuarem como puxadores de votos para si mesmo, para atingir o coeficiente eleitoral. Por isso quem decidir sair como candidato tem que se preocupar em conseguir votos para atingir a meta, para conseguir preencher uma vaga como parlamentar”, declarou.
Cobaias para implantação das mudanças
O vereador de João Pessoa, Bruno Farias, presidente do Cidadania na Capital, também revelou a expectativa quanto às mudanças para as eleições do próximo ano e dos desafios que serão enfrentados pelas legendas para sobreviverem. Segundo ele, o Congresso Nacional, mais uma vez, ao inovar nas regras eleitorais, escolhe, como laboratório de sua experiências, para não dizer cobaias, as eleições municipais.
“De fato, será uma eleição diferente de todas as que eu já pude vivenciar. A começar pela vedação de coligações nas chapas proporcionais, o que forçará cada partido a, em suas próprias fileiras, atingir o coeficiente eleitoral”, comentou.
De acordo com Bruno Farias, não resta dúvidas de que essa medida visa fortalecer as agremiações partidárias mais pujantes em detrimento das siglas de médio e pequeno portes.
“No fundo, foi uma alteração cuja finalidade é diminuir a quantidade exagerada de partidos políticos no cenário nacional. A tendência, com a permanência dessa regra, é que os candidatos escolham partidos com os quais se identifiquem do ponto de vista filosófico e programático, e não apenas por uma questão de pragmatismo eleitoral, ou seja, uma escolha guiada unicamente pela facilidade de obter ou não sucesso na disputa”, afirmou.
Em relação às chamadas ‘alianças brancas’, Bruno Farias acredita que não terão sentido, porque, para as eleições proporcionais, os votos não se comunicam, de tal maneira que os votos obtidos pelo partido X não terão importância para eleger candidatos do partido Y.
“Então, será cada um no seu quadrado, esforçando-se ao máximo para superar ou chegar o mais próximo possível do coeficiente, já que, tal qual ocorreu nas eleições de 2018, não será mais necessário atingir o coeficiente para figurar na disputa, de tal sorte que não se desprezam mais os votos de quem não atingiu o coeficiente, como ocorria no passado recente”, destacou.
O vereador disse ainda que dentro de seu partido, o Cidadania, a expectativa é trabalhar para filiar o maior número de pré-candidatos a fim de que, com margem folgada, possa eleger dois ou três vereadores na Capital.
“Temos, para tanto, uma boa expectativa e um forte poder de atração, uma vez que somos um das poucas legendas que só possui uma única vaga na Câmara Municipal de João Pessoa”, comentou.
De acordo com Bruno Farias, a maioria dos partidos grandes e médios têm dois ou mais vereadores, o que dificulta a competitividade interna. “O nosso partido possui apenas um parlamentar e essa característica é bastante chamativa para quem quer entrar com perspectivas reais de assumir uma cadeira na Casa de Napoleão Laureano”, declarou.
Duas disputas proporcionais sem coligações em CG
O vereador de Campina Grande, Joseildo Alves dos Santos, mais conhecido como Galego do Leite, presidente do Podemos na Paraíba, disse que com essa minirreforma eleitoral para 2020, quem não tiver grupo na política, não só na Paraíba, mas no Brasil todo, estará fadado ao insucesso.
“Nós disputamos as eleições em Campina Grande, em 2012, com um grupo, sem coligação proporcional, na qual nós elegemos três vereadores na época, a segunda maior legenda mais bem votada. Em 2012, nós repetimos a dose, só que tínhamos o mandato e nos reelegemos sem coligação. Era o PTN, que agora é Podemos. Ficamos proporcionalmente na quinta colocação em Campina Grande”, relembrou.
De acordo com Galego do Leite, o partido já sofreu e provou do veneno de disputar uma eleição proporcional sem coligação, em duas oportunidades, e está trabalhando para ampliar essa experiência para mais de 50 cidades paraibanas,que vão lançar candidaturas na proporcional com grupos do próprio partido.
“Vamos lançar também candidaturas a prefeito, vice-prefeito, em mais de 50% dos municípios, nesses moldes, tendo Campina Grande como modelo e celeiro de bons políticos, exportando para Assembleia e para o Congresso Nacional, e essa experiência vem sendo repassado para todos os municípios onde teremos candidatos e estamos reforçando nosso grupo político”, revelou.
Para o presidente do PT na Paraíba, Jackson Macedo, o fim das coligações proporcionais a partir das eleições de 2020 será uma “faca de dois gumes”, porque pode facilitar, mas também pode dificultar a eleição de parlamentares pela sigla. Ele lembrou que, historicamente, o PT quase sempre sai sozinho nas disputas proporcionais, principalmente nas grandes cidades.
“O PT tem mais facilidade de sair sozinho em chapa própria para vereador. Foi assim, por exemplo, em João Pessoa, nas eleições passadas, que nós elegemos Marcos Henriques”, comentou.
De acordo com Jackson Macedo, já nos pequenos municípios a lógica é diferente, porque o partido que tem na cidade a legenda girou em torno dele e não estimulou outras lideranças internas, principalmente para disputar as eleições.
“Tínhamos em muitos municípios, como um vereador, e todos os filiados e simpatizantes do PT votam nele, e ele se eleger por meio da coligação proporcional. Como agora não tem mais coligação, esse vereador vai olhar para um lado, vai olhar para outro no partido e não encontrar ninguém para estimular para ser candidato”, comentou.
O presidente revelou que o grande desafio hoje do PT é a manutenção dos vereadores eleitos do partido e o estímulo a outros filiados do PT para poder disputar a eleição também.
“Logicamente que nós vamos perder alguns vereadores por conta dessa situação, o que é normal, e outros partidos devem perder também, pois vão querer ir para outras siglas, procurando uma situação mais cômoda. Mas aqueles que vão ficar, vamos trabalhar com eles na perspectiva de aumentar nossas bancadas nos municípios”, revelou.
Eleitor vai identificar melhor destino do voto
Para o advogado Harrison Targino, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PB), nesse cenário conturbado da política brasileira, surgiu a Emenda Constitucional 97/2017, com um claro intento de acabar com esta famigerada prática, não mais permitindo que a votação expressiva de um candidato faça eleger outros do grupo de partidos que se uniram a ele somente para obter um melhor desempenho eleitoral graças a puxadores de votos.
Ele explicou, que com a nova regra, válida já para as eleições de 2020, não mais existirão coligações partidárias para eleições proporcionais, que são aquelas utilizadas para a escolha de deputados federais, estaduais e vereadores, de modo que cada partido deverá lançar sua própria chapa visando a esses cargos, já que as coligações passam a existir apenas para as eleições majoritárias (prefeitos, governadores e presidente).
“O fim das coligações proporcionais é a maior mudança qualitativa recente do sistema eleitoral. Vai permitir, também, que o eleitor identifique melhor o destino de seu voto e evita as tradicionais uniões partidárias de ocasião. Criadas na década de 50, vedadas durante o período do regime militar e retomadas com o processo de redemocratização, as Coligações foram uma das responsáveis pela descaracterização dos partidos políticos, unindo em sopa de letrinhas visões políticas distintas. Se votava num comunista e podia-se eleger um democrata, como ocorreu em Pernambuco”, explicou o advogado.
Para o advogado Delosmar Mendonça, a Justiça Eleitoral vem caminhando para adotar uma postura mais rígida em relação a fraudes contra as regras que envolvem formação de chapas e distribuição e destinação dos recursos públicos em campanhas.
“Estamos acompanhado essa postura quanto aos candidatos laranjas, seja para compor a cota de gênero ou a divisão de recursos. A fraude passa a ser vista não apenas como um ilícito eleitoral que afeta a vontade do eleitor, podendo ser aplicada em defesa das normas e valores que digam respeito â legalidade e integridade das chapas para registro. Isso pode atingir as coligações brancas ou informais, caso corresponda a uma burla à vedação de coligações. Os partidos e candidatos devem ter cuidado em relação a isso”.
Janela partidária
Somente a partir de abril de 2020 é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá abrir uma janela para que vereadores no exercício do cargo possam trocar de partido sem perda do mandato. O período, denominado “janela partidária” é de 30 dias. A “janela partidária” é aberta apenas em ano eleitoral. No caso, em 2020, quando ocorrerão as eleições municipais para escolha de novo prefeito e novos vereadores.
A Reforma Eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/2015), no entanto, incorporou à legislação uma possibilidade para a desfiliação partidária injustificada no inciso III do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995). Segundo esse dispositivo, os detentores de mandato eletivo em cargos proporcionais podem trocar de legenda nos 30 dias anteriores ao último dia do prazo para a filiação partidária, que ocorre seis meses antes do pleito.
No entanto, a troca partidária não muda a distribuição do Fundo Partidário (art. 41-A, parágrafo único, da Lei nº 9.096) e do acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão (art. 47, § 7º, da Lei nº 9.504/1997).
Esse cálculo é proporcional ao número de deputados federais de cada legenda. A única exceção a essa regra é para o caso de deputados que migrem para uma legenda recém-criada, dentro do prazo de 30 dias contados a partir do registro na Justiça Eleitoral, e nela permanecendo até a data da convenção partidária para as eleições subsequentes.
*Texto de Adriana Rodrigues, do Jornal CORREIO