Se nas eleições de 2018 o então candidato Jair Bolsonaro (PL) contou com o apoio maciço do mercado financeiro na disputa contra Fernando Haddad (PT), para o pleito que se avizinha em 2022, a história parece ser diferente.
A preferência por Bolsonaro entre os agentes de mercado, antes sustentada pela figura de Paulo “Posto Ipiranga” Guedes, está longe de ser a mesma de quatro anos atrás.
Medidas de caráter populista e intervencionista do governo na tentativa de aumentar a popularidade, mais recentemente com a troca no comando da Petrobras, têm levado a um questionamento crescente entre os investidores sobre qual a melhor opção para a economia do país sob a ótica do mercado financeiro.
Gestores de fundos e economistas ouvidos pela reportagem dizem que ainda aguardam as próximas movimentações no tabuleiro político para ter uma clareza maior sobre o que esperar de cada candidatura na área econômica.
Mas afirmam também que, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual mandatário, não têm hoje uma clara preferência por um nome ou por outro.
Até meados de 2021, em conversas informais, o mais frequente era que os gestores levantassem mais restrições à candidatura petista. A onda parece ter começado a mudar, menos por mais confiança em uma futura política lulista e mais por desconfiança em relação a um segundo mandato de Bolsonaro.
Eles reconhecem também que a possibilidade de uma terceira via engrenar é vista com cada vez menos entusiasmo na região da Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, frente aos fracos resultados dos candidatos que reivindicam esse rótulo nas pesquisas de intenção de voto.
O ex-juiz Sérgio Moro anunciou nesta quinta-feira (31) a desistência de disputar a presidência “nesse momento”, enquanto o governador de São Paulo, João Doria, causou alvoroço dentro do PSDB ao sinalizar que poderia desistir da corrida pelo Planalto —movimento do qual já recuou, confirmando seu pleito à Presidência.
“Existe uma crença no mercado, certa ou errada, de que se o eleito for Bolsonaro ou Lula, não haverá uma desestabilização fiscal muito grande”, diz Luiz Fernando Figueiredo, CEO da gestora Mauá Capital e ex-diretor do BC (Banco Central).
“Temos um Congresso de centro. Propostas muito à esquerda simplesmente não vão passar”, afirma Figueiredo.
Após beirar 90% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020, a dívida bruta do governo cedeu para 80% em 2021, por influência da recuperação da atividade econômica no ano passado.
Ele acrescenta que as discussões sobre as propostas de governo para a economia ainda não começaram de fato. Será a partir delas, e com o anúncio das equipes econômicas, que o mercado conseguirá ter uma avaliação melhor sobre as preferências eleitorais, aponta o CEO da Mauá Capital.
“Os investidores não têm preferência por um candidato, eles têm preferência por programas de governo”, afirma Figueiredo. “Como não está claro qual será o programa de nenhum dos dois, está todo mundo em compasso de espera.”
Sócio fundador e diretor de investimentos da gestora RPS Capital, Paolo di Sora diz que percebe nas interlocuções com os pares de mercado certa “neutralidade”.
“A verdade é que a política econômica dos dois não é muito diferente. O Bolsonaro caminhou para uma direita mais ao centro na economia e o Lula não é o político radical que alguns querem pintar”, afirma Di Sora, lembrando da aproximação entre o ex-presidente e o ex-governador Geraldo Alckmin.
A expectativa do gestor da RPS Capital, contudo, é de que ainda haverá mudanças importantes no cenário político e eleitoral até o final do ano.
Além de não considerar a terceira via uma carta totalmente fora do baralho, ele avalia que o ex-presidente deve enfrentar uma fase de ataques, referentes aos casos de corrupção na gestão petista e à crise econômica no mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, ao mesmo tempo em que Bolsonaro tem anunciado medidas econômicas que podem favorecer sua candidatura.
“O Lula está em seu melhor momento na disputa, enquanto o Bolsonaro está em seu pior momento. E mesmo assim, a distância [de intenção de votos] não é tão grande”, afirma o gestor da RPS Capital.
Pesquisa divulgada no final de março pelo Datafolha aponta o ex-presidente Lula com 43% das intenções de voto, o que o coloca na liderança da disputa pela Presidência da República neste momento. Jair Bolsonaro aparece com 26% das intenções de voto. Em dezembro de 2021, Lula oscilava entre 47% e 48%, e Bolsonaro, entre 21% e 22%.
“Minha impressão é que hoje, diferentemente das eleições nos últimos 20 anos, não existe uma preferência clara do mercado em relação aos candidatos”, afirma Alexandre Bassoli, economista-chefe da gestora Apex Capital.
Em linha com os pares, Bassoli também avalia que ainda há muitas incertezas no radar em caso de vitória tanto de Lula quanto de Bolsonaro.
O esforço que terá de ser feito pelos investidores será no sentido de tentar entender quais as principais diretrizes econômicas de cada um deles, diz o economista-chefe da gestora.
“Os investidores são pragmáticos e se voltam menos para as preferências pessoais e mais para as questões que são relevantes sob a ótica de mercado”, afirma Bassoli.
Gestor da Versa Fundos de Investimento, Luiz Fernando Alves diz que a possibilidade de uma terceira via ainda vir a galgar espaço nas intenções de voto parece bastante combalida a essa altura do campeonato.
“Acho que quase ninguém no mercado ainda trabalha com o cenário de uma terceira via, embora possa ser um pouco cedo para isso”, diz Alves.
Ele afirma que, em sua visão, o mercado tem se mostrado relativamente complacente com o ex-presidente Lula, mesmo com declarações que vão em direção contrária a uma agenda econômica liberal.
“A visão predominante no mercado parece ser a de que o Lula não vai ser uma reedição do governo da Dilma, que era um dos grandes riscos na cabeça dos investidores”, diz o gestor da Versa.
Ele afirma ver em uma eventual vitória petista um ambiente mais favorável para empresas de consumo e varejo na Bolsa, na esteira de medidas que possam trazer um fôlego financeiro à população de menor renda.
Gestor da Studio Investimentos, Guilherme Motta diz que enxerga uma série de inconsistências nos discursos de ambos os candidatos à frente nas pesquisas.
“As pessoas entenderam que as inconsistências do Bolsonaro também geram incerteza e volatilidade, assim como as da esquerda”, diz Motta, acrescentando que as dúvidas que pairam a respeito dos dois candidatos não parecem suficientes a ponto de fazer com que a terceira via desponte com chances reais de vencer as eleições.
Um nome mais ao centro poderia ganhar terreno em um cenário no qual o presidente Bolsonaro viesse a perder espaço entre os eleitores, o que não parece ser o caso com base nas pesquisas recentes, afirma o gestor da Studio.
De toda forma, ele diz também que as eleições ainda não estão “fazendo preço” no mercado. A melhora recente, com a alta da Bolsa de Valores e a valorização do real, se deve mais a fatores externos, como as commodities e a guerra na Ucrânia, afirma.
Economista-chefe da Necton, André Perfeito também entende que a principal dúvida na cabeça dos agentes de mercado parece ser quanto à dinâmica fiscal a partir de 2023.
Nesse sentido, a percepção majoritária do mercado, na avaliação do economista, ainda parece pender mais a favor de Bolsonaro.
“O mercado reconhece que algumas medidas econômicas anunciadas nas últimas semanas são necessárias, mas também enxerga nelas a tentativa de angariar mais votos. Por essa razão, acredito que o desconforto em relação ao presidente Bolsonaro vai continuar”, diz Perfeito.
No entanto, ele entende que a perspectiva de que o ministro Paulo Guedes poderá seguir no governo leva também à expectativa de parte do mercado quanto a uma disciplina fiscal maior em comparação ao PT.
No caso da candidatura petista, Perfeito entende que poderá pesar a favor do ex-presidente o histórico positivo para os bolsos dos investidores quando era ele o mandatário no Palácio do Planalto, além de sua reconhecida capacidade de interlocução entre os diferentes atores da sociedade.
“Tem muita gente no mercado que pensa que, apesar da retórica eleitoral mais de esquerda, se o Lula vier a assumir a Presidência, ele irá tentar dialogar com todo mundo, inclusive com o mercado”, diz o economista.
Ele afirma ainda que, seja quem for o vencedor da disputa, o presidente a partir de 2023 deverá se deparar com um ambiente macroeconômico mais favorável do que o atual para o desempenho dos ativos no mercado.
As projeções dos economistas no relatório Focus apontam para uma queda da inflação e da taxa básica de juros para o ano que vem, o que pode abrir espaço para a valorização da Bolsa local. “O próximo presidente, não importa quem seja, terá a possibilidade de começar 2023 em uma situação um pouco mais tranquila”, diz Perfeito.
Lucas Bombana/Folhapress