Nos últimos anos, Barry Callebaut, Cargill e Olam, as três grandes indústrias de cacau do Brasil, vinham importando em média 50 mil toneladas de países africanos para somar ao volume do mercado interno. Neste ano, o volume comprado de fora atingiu seu menor número em cinco anos: 11.034 toneladas no acumulado de janeiro a outubro. Em setembro e outubro, a importação foi zero.
Segundo a Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), representante da três multinacionais que ficam na cidade de Ilhéus (BA) e que processam cerca de 95% das amêndoas produzidas no país, a tendência é receber mais cacau nacional, comprado especialmente da Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia.
Em entrevista ao Globo Rural, a diretora-executiva da AIPC, Anna Paula Losi, disse que a importação de cacau é menos interessante para as indústrias. Custa mais caro pela questão logística, tributária e pela necessidade cada vez maior de rastreabilidade da produção. Por razões fitossanitárias, procedimentos para controle das pragas quarentenárias em produtos vegetais e subprodutos de madeira, o Brasil não pode importar cacau dos países sul-americanos como Equador e Peru. Quase todo o volume comprado de fora vem de Gana e Costa do Marfim, e uma pequena parte da Indonésia.
Segundo a diretora, o setor tem feito vários investimentos nos últimos anos para elevar a produtividade do cacau nacional e também faz campanhas educativas sobre a monilíase, doença provocada por um fungo que ataca os frutos de cacau. O plano das indústrias é passar a receber 230 mil toneladas de cacau nacional em cinco anos. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgou que projeta alcançar a autossuficiência até 2025.
“Observamos um crescimento ainda pequeno da produção nacional nos últimos dois anos, que não sabemos se está consolidado porque a cultura depende muito das condições climáticas, mas o clima e o esforço da cadeia para aumentar a produtividade têm rendido boas safras”, afirmou Ana Paula.
Crescimento da produção nacional
Segundo dados da AIPC, o volume recebido de amêndoas nacionais aumentou 10,5% no mês de outubro em relação a setembro, passando de 15.201 toneladas para 16.810 toneladas. Na comparação com o mesmo mês em 2021, houve um crescimento de 22,9%.
Na primeira safra, de janeiro a abril, as indústrias receberam 41 mil toneladas de cacau nacional ante as 21 mil toneladas do mesmo período de 2021. Na segunda safra, de maio a setembro, a entrega foi de 131 mil toneladas ante 112 mil do ano anterior. As perspectivas são boas para a nova safra e o recebimento pode passar de 200 mil toneladas neste ano.
Anna Paula afirmou que falta no país uma política de estocagem para entregar as amêndoas quando a indústria tem mais demanda, o que elevaria o preço pago ao produtor pela arroba.
“Existe uma visão errada de que a importação derruba o preço do cacau. O preço é determinado pela Bolsa de Nova York, pelo dólar, oferta e demanda local. Além disso, o produtor que vende direto para a indústria recebe mais do que o que vende para o intermediário”, analisou.
Atualmente, de 80% a 85% das amêndoas processadas nas indústrias vêm de atravessadores que buscam o produto na fazenda, pagam adiantado e chegam onde as moageiras não conseguem chegar. Há cinco anos, segundo Anna Paula, esse percentual era de 95% e há um esforço das indústrias para ampliar a compra direta e elevar a rastreabilidade da produção.
Outra preocupação é buscar novos mercados. O Brasil exporta derivados de cacau para toda a América do Sul e Estados Unidos. O principal mercado, no entanto, é a Argentina, cuja economia está em crise. Neste ano, com inflação alta e guerra no leste europeu, houve uma pequena queda nos volumes exportados, de 45.051 toneladas para 41.003 toneladas, acompanhando a redução de consumo de produtos finais do cacau como chocolate e biscoitos.
Recuperação no preço
Segundo produtores e analistas, a importação menor não resultou em preço melhor para o cacau nacional. Houve uma leve recuperação dos preços nos últimos meses, mas o valor da arroba permanece bem inferior ao de 2021, quando alcançou R$ 270.
Para o Globo Rural, Adilson Reis, analista de mercado de cacau, disse que a explicação para o preço mais baixo é que as indústrias iniciaram o ano muito estocadas porque compraram muitas amêndoas em 2021 e a safra temporã nacional também foi muito boa. Ele afirma que a formação de preço inclui o pagamento de um prêmio, que chegou a US$ 800 por tonelada em 2021 e caiu para US$ 170 neste ano. A média dos últimos anos era de US$ 400.
Ele ressaltou que a produtividade no Brasil já é baixa, em torno de 30 arrobas por hectare, quando seria preciso de 70 a 80 arrobas. Por isso, a maioria dos cacauicultures tradicionais entrega a área para um meeiro explorar, deixando de pagar mão-de-obra e outros custos.
Elcy Gutzeit, produtora em Uruará, no Pará, afirmou que está difícil fechar as contas com os preços pela arroba recebidos da indústria. A família pioneira na produção de cacau nessa região da Transamazônica tem 370 hectares cultivados e está investindo em plantio de clones com irrigação e alta tecnologia em outros 130 hectares. Segundo ela, a saída é apostar cada vez mais em qualidade e na exportação de cacau especial
“Essa região é abandonada. Os insumos como adubos e inseticidas chegam aqui bem mais caros que em outras áreas do país. Nos últimos dois anos, o custo de produção, que inclui mão-de-obra, plantio, combustível e insumos, subiu seis vezes e os preços da arroba despencaram neste ano”, finalizou.
FONTE: Eliane Silva — Globo Rural