Num cenário de livre mercado, o governo não pode garantir que a redução de R$ 0,46 no valor do diesel nas refinarias seja repassado integralmente aos preços das bombas nos postos de gasolina, afirmaram analistas ouvidos pelo UOL.
Os postos não são legalmente obrigados a dar nenhum desconto. E, diferentemente do que afirmou o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, um especialista disse que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não tem a função fiscalizadora de preços. Os órgãos de defesa do consumidor (Procons), por sua vez, possuem papel limitado nesse processo.
NA última segunda-feira (28), o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que o Cade e os Procons terão papel fundamental para fiscalizar os preços nos postos e fazer com que o desconto chegue ao consumidor final
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o governo deve criar uma norma para que os Procons estaduais possam fiscalizar se os postos vão mesmo dar o desconto
Postos não são obrigados a repassar desconto, diz advogado
O advogado José Del Chiaro, especialista em defesa da concorrência e exsecretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, disse que a livre concorrência é garantida no Brasil e que os postos de gasolina não são obrigados a
repassar a redução de 46 centavos ao consumidor. “Pode ter fiscalização? Sim, pode. O posto é obrigado a repassar o desconto? Acho que não é obrigado. Ele pode até repassar um reajuste maior ou menor dos preços. O que ele não pode é praticar um preço abusivo”, disse.
Chiaro afirmou que a margem de lucro dos postos de gasolina é definida por seus donos, não pelo governo.
“A margem de lucro é definida pelo posto, não pelo governo. O que o governo garante é a redução no preço cobrado entre a Petrobras e a distribuidora e entre a distribuidora e o posto. Até aí, acredito que o governo consiga fazer. Agora, do posto para o consumidor, é uma questão muito delicada”, disse.
Para o advogado, a equipe econômica conseguiria garantir o repasse da redução no preço do óleo ao consumidor final se fizesse um tabelamento de preços. Mesmo assim, essa seria outra medida questionável num cenário de livre mercado. “Tabelar preço hoje é um retrocesso”, disse.
Cade não tem papel fiscalizador de preços
Del Chiaro disse ainda que, diferentemente do que afirmou o ministro da Fazenda, o Cade não tem papel fiscalizador de preço. Segundo ele, o órgão antitruste está na sua função de verificar se houve locaute durante a greve, quando os empresários coordenam e incentivam a mobilização. “O Cade tem de olhar o locaute, a cartelização, viabilizar a livre concorrência, não fiscalizar preços”, disse.
O advogado também afirmou que o Procon pode fiscalizar, mas tem “papel limitado” nesse processo.
“O Procon pode monitorar, mas não pode estabelecer uma margem para o preço do combustível. O Procon vai aplicar uma multa, e o posto ou o sindicato vão ao Judiciário derrubar essa multa. O posto tem o direito de colocar a margem de lucro dele”, afirmou Del Chiaro.
Multa por prática abusiva pode chegar a R$ 6 milhões
O presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), José Geraldo Tardin, disse que a apropriação do lucro por parte do varejo está no “caráter do brasileiro” e que há o risco de o desconto não chegar integralmente ao consumidor. “Isso está inserido no caráter do brasileiro. Quando houve a isenção fiscal [a
dispensa no pagamento de tributos por algumas áreas] feita pelo governo petista, nem todo mundo repassou isso”, disse. “Agora, com a greve, vimos postos vendendo o litro da gasolina por R$ 9,90”, afirmou Tardin.
Na avaliação do presidente do Ibedec, os Procons têm um papel importante nesse processo porque podem pedir aos postos de gasolina uma planilha de custo comprovando o repasse do desconto no diesel ao consumidor. Se a documentação apresentada pelos postos não comprovar que a redução no preço do óleo está em linha com os seus custos, eles podem ser notificados por prática abusiva de preços. “Se for comprovada a prática abusiva, a multa vai de um salário mínimo a R$ 6 milhões”, afirmou.
Tardin afirmou que o Cade, por sua vez, pode verificar se há uma prática de cartelização, com a combinação de preços entre empresas concorrentes. “Isso aconteceu em Brasília em 2016 e o Cade conseguiu fazer uma intervenção para reduzir os preços”, disse.
Decisão dos postos depende das distribuidoras, diz sindicato O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), José Alberto Paiva Gouveia, disse que os postos
poderão repassar a redução no preço do diesel integralmente aos consumidores se, primeiro, as distribuidoras efetuarem esse desconto. “Eu não compro da Petrobras, mas sim das distribuidoras. Como o mercado delas é
livre e o meu também, elas podem repassar o desconto ou não”, disse.
“Se as distribuidoras repassarem o desconto, não tenho dúvidas de que podemos repassar a redução de R$ 0,46 no preço do diesel aos consumidores”, afirmou.
De acordo com Gouveia, o papel do sindicato é informar aos postos de gasolina o preço repassado pelas distribuidoras. “A partir disso, eles tomam a decisão”, disse. Tabelamento do preço do frete é uma “aberração”
O advogado José Del Chiaro afirmou que o tabelamento do preço do frete, uma das medidas que constam do acordo entre o governo e os caminhoneiros, “é uma aberração em todos os sentidos”.
Segundo ele, primeiro, essa medida fere a livre concorrência garantida pela Constituição. Além disso, em função de uma política de subsídios à compra de caminhões implementada no governo Dilma Rousseff, há muitos caminhoneiros endividados com o financiamento dos veículos. Nessa situação, eles possivelmente vão se submeter ao tabelamento para conseguir recursos e pagar suas contas. “Hoje há uma espécie de leilão. Os caminhoneiros cobram menos pelo frete e ganham o contrato. Agora, endividados, eles vão prestar o serviço pelo preço mínimo estabelecido na tabela”, disse,
Para Del Chiaro, essa medida vai “completamente contra a regra do livre mercado” e pode contribuir para encarecer toda a cadeia produtiva que envolve o transporte de cargas.