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Nova forma de manejo aumenta produtividade do cacau

A imagem impressiona. Logo na entrada do Sítio Rangel, os pés abarrotados de cacau parecem ter saído de um cenário produzido para as mais belas cenas de cinema. Mas não é ficção. O pomar está cheio, muitos galhos chegam a pender até o chão devido ao peso, e o contraste entre o verde intenso da folhagem e o vermelho marrom dos frutos é marcante.

No sítio na zona rural de Valença, Baixo Sul da Bahia, o agricultor Cosme Rangel Mota já está colhendo 204 arrobas por hectare. Esta é uma marca histórica para um cultivo de sequeiro, sem irrigação, e a pleno sol. “Tem muita dedicação, disciplina e amor”, adianta o produtor rural.
Nem no auge da lavoura cacaueira, nas décadas de 70 e 80, foram vistos pés tão cheios em um pomar. Naquela época a produtividade média era de 45 arrobas por hectare.

O Sítio Rangel também se destaca se comparado com a atual produtividade da maioria dos produtores rurais da Bahia, que ainda se recupera das consequências da vassoura de bruxa e tira em média 30 arrobas por hectare. A produção do Rangel chega a ser 580% superior à esta média.

O resultado só é comparável às lavouras mais tecnificadas do Extremo Sul da Bahia, que já aplicam tecnologia de ponta e possuem um sistema de produção diferenciado, com uso de irrigação.
Cosme Mota mantém apenas 4 hectares plantados. Uma parte ainda está em crescimento. Nos 2,5 hectares já produtivos ele deve colher mais de 450 arrobas nesta safra, a terceira do ano.

O desempenho tem sido tão excepcional que o sítio, no povoado de Serra Grande, virou referência de produtividade e se transformou numa espécie de “ponto turístico”.

Quase toda semana aparecem visitantes no local para ver a produção. “Tem gente que não acredita, vem para tirar a dúvida. Chegam até turmas de universidades e pesquisadores. O pessoal só acredita vendo de perto. Nós ficamos contentes com isso”, pontua o agricultor.

Um bom vizinho
A produção começou a aumentar depois que o vizinho de Cosme, o estudante de Agronomia da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) Tales Amauri Rocha, de 24 anos, fez uma proposta ao agricultor em 2014. Naquele ano, o cacauicultor tinha registrado uma das piores safras do pomar e os pés estavam definhando.

A parceria previa que o produtor rural cederia o pomar como campo experimental. Em contrapartida o estudante universitário aplicaria um conjunto de técnicas de manejo voltadas para melhorar a produção. “Eu sou filho e neto de agricultores. Sou apaixonado pela cultura do cacau e sempre quis fazer algo para ajudar os produtores da região, que sempre sofreram com as pragas e doenças da lavoura. Apostei todas as minhas fichas no cacau. Ele acreditou na minha ideia”, diz o estudante.

A estratégia envolveu um conjunto de técnicas de melhoria da qualidade do pomar, desde a forma de nutrir o solo, a adubação, a poda, até mudanças no período do ano em que seriam feitas as principais intervenções nas árvores.
O pomar fica no Vale do Jiquiriçá, região onde o solo geralmente tem alta saturação de alumínio. Por isso, a primeira ação envolveu a correção de solo. “O alumínio impede o crescimento da raiz, depois do tratamento de solo com gesso e o fortalecimento da raiz, conseguimos que a planta suportasse mais o verão. Ela conseguiu captar mais água em maiores profundidades, abaixo de 60 centímetros”, explica Tales.

Depois o tratamento contou com alterações na nutrição dos cacaueiros. “Usamos fertilizantes de alta tecnologia, revestidos por uma molécula orgânica, que permitem a liberação gradual dos nutrientes ao longo do ano. A planta consegue absorver mais quando eles são liberados aos poucos”, acrescenta o estudante.

Bio estimulantes
A biotecnologia também entrou em ação para estimular a florada e o combate às doenças. “Usamos bio estimulantes que ajudam a planta a gastar menos energia, inclusive em situações provocadas pelo calor, que estressa o cacau. São substâncias como aminoácidos, produtos orgânicos oriundos de plantas, como as algas que se desenvolvem em ambientes inóspitos. Delas extraímos substâncias e moléculas como a citosina e a oxina, que auxiliam no crescimento da raiz”, argumenta.

Para completar a estratégia, a poda tradicional foi substituída pelo método circular, criado pelo pesquisador capixaba Francisco Durão, na qual a árvore fica em forma de taça. Esta técnica deixa a planta mais baixa, com os ramos mais grossos para suportar a carga e permite a inserção correta de luz solar, crucial para a realização da fotossíntese. De acordo com os técnicos, a poda circular é capaz de triplicar o metabolismo da planta.

Todo o pomar também foi substituído por clones de novas variedades resistentes à vassoura de bruxa lançadas pela Ceplac (Comissão Executivo do Plano da Lavoura Cacaueira).

De 2014 para cá, o dono do sítio viu a produção inicial de 80 arrobas por hectare aumentar gradativamente até atingir as atuais 204 arrobas. São 155% a mais. Hoje o produtor obtém até 75 frutos por pé, um volume 4 vezes maior do que os pomares tradicionais.

Nos últimos 3 anos, Tales Rocha já aplicou o método em outros seis pomares de cidades diferentes, com resultados igualmente bem-sucedidos, acima de 150 arrobas por hectare. Agora, em 2018, ele viu crescer também o número de clientes, de 6 para 42 produtores rurais. A experiência se espalha por pomares nos municípios de Valença, Gandu, Mutuípe, Jiquiriçá, Grapiúna e Ituberá.

“Eu pensava em começar este trabalho de consultoria depois de formado, mas as portas foram se abrindo. As oportunidades começaram bem antes do que eu imaginava. Eu sempre acreditei que conseguiria, só precisava de alguém que acreditasse neste manejo. A primeira pessoa que acreditou foi minha mãe, depois Cosme”, finaliza o estudante, que deve concluir o curso de agronomia em dezembro de 2018.

Lucros
A tecnologia é mais cara. O custo de produção chega a ser seis vezes maior do que o tradicional. Mas os especialistas garantem que resultado vale a pena. Além de ver o pomar frutificar com intensidade, o cacauicultor viu os lucros se expandirem e ultrapassar os R$ 12 mil por hectare.

“É um bom negócio, porque apesar do investimento de quase R$ 9 mil em insumos, ele consegue um faturamento maior na produção. Ele gasta 45% e fatura a outra parte. Cerca de 65% fica para o produtor rural depois que ele paga todas as despesas, inclusive a mão de obra. É um resultado excelente”, avalia Toni Fontes, instrutor e consultor do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que acompanha a gestão do projeto.

Cadeia produtiva
A cadeia do Cacau é essencial para o Produto Interno Bruto brasileiro. Ano passado injetou mais de R$ 23 bilhões na economia do país, através da produção e beneficiamento das amêndoas. Não é à toa que o cacaueiro sempre foi conhecido como a árvore dos frutos de ouro.

O setor reúne na Bahia mais de 30 mil produtores rurais. A maioria é de pequeno porte e cultiva menos de 50 hectares. Por causa das doenças que atingiram as lavouras, o segmento viu a produtividade média cair de forma avassaladora nas últimas décadas.

Os resultados obtidos no Sítio Rangel se concretizam num momento também histórico: os 30 anos da chegada da vassoura de bruxa nos pomares do estado. “Isso é mais um exemplo que evidencia que o emprego de tecnologia, da gestão, e do manejo adequado do cacau são aliados da rentabilidade e da produtividade. Reforça a tese de que a cacauicultura é viável”, afirma Guilherme Moura, vice-presidente da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) e Presidente da Câmara Setorial do Cacau junto ao Ministério da Agricultura.

O endividamento total do setor chega a R$ 2 bilhões segundo dados da Faeb. O valor foi acumulado depois de planos públicos malsucedidos de recuperação.

Em agosto deste ano, para tentar resolver a questão, duas das principais entidades que representam o setor se uniram pela primeira vez para aprovar na Câmara Federal a Medida Provisória 842/18. A MP destrava crédito para a lavoura e torna possível a equalização das dívidas.

A Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e o Instituto Pensar Cacau (IPC), historicamente divergentes nas propostas de solução para o problema, agora defendem a mesma estratégia. A MP está em tramitação na Câmara e ainda precisa passar pelo Senado antes da sanção presidencial.
Fonte: Correio

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