“Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade”, disse o ministro
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, fez duro discurso nesta quarta (8) contra as falas golpistas de Jair Bolsonaro no 7 de Setembro e afirmou que ameaça do mandatário de descumprir decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, se confirmada, configura “crime de responsabilidade”.
“Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, afirmou Fux, na abertura da sessão do plenário.
“Ninguém fechará esta corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, completou o presidente do Supremo.
Na terça-feira (7), diante de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, Bolsonaro fez ameaças golpistas ao STF. Disse que não aceitará que qualquer autoridade tome medidas ou assine sentenças fora das quatro linhas da Constituição e declarou que não cumpriria mais decisões de Moraes.
Segundo Fux, “num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que são as vias processuais próprias”.
“Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, que não podemos tolerar em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumir uma cadeira na corte”, afirmou o ministro.
De acordo com o presidente do STF, o tribunal não aceitará ameaças. “Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções.”
Sem citar nominalmente Bolsonaro, referindo-se a ele como “chefe da nação”, Fux falou em “falsos profetas do patriotismo”.
“Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideias antidemocráticas. Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas próprias instituições”, disse.
“Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação”, ressaltou Fux.
“A crítica institucional não se confunde -e nem se adequa- com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo chefe da nação”, afirmou.
A manifestação de Fux no plenário foi combinada com os demais ministros em reunião por vídeo na noite de terça, quando decidiram que caberia ao presidente da corte falar em nome de todos na sessão desta quarta.
“Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse Bolsonaro em Brasília na manhã de terça, em recado ao presidente do Supremo.
O chefe do Executivo também fez referência a recentes decisões de Moraes, relator da maioria das investigações em curso no STF que miram Bolsonaro e seus apoiadores. “Porque nós valorizamos e reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”, disse o presidente.
Além de Moraes, o ministro Luís Roberto Barroso, também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), é alvo dos ataques nas últimas semanas em razão da defesa que o magistrado faz do sistema eleitoral.
“Nós todos aqui na Praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede para sair”, disse Bolsonaro na terça.
“Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil.”
À tarde, na avenida Paulista, o mandatário exortou desobediência a decisões da Justiça.
“Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou”, afirmou Bolsonaro.
“[Quero] dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, disse o presidente, que prosseguiu. “Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade.”
Acusado pela oposição de se alinhar aos interesses do Palácio do Planalto, o procurador-geral da República, Augusto Aras, compareceu ao plenário do Supremo nesta quarta – ele tem participado das sessões por videoconferência – e também discursou sobre o 7 de Setembro.
“Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil”, afirmou Aras.
O procurador-geral não citou as declarações do chefe do Executivo, mas afirmou que não se pode desprezar “o devido processo legal, o devido processo legislativo, o devido processo administrativo”.
Por meio dessas vias, frisou ele, “assegura-se que as minorias tenham voz e meios contra os excessos da maioria, e também que os direitos da maioria sejam preservados no processo decisório inerente às democracias representativas ou diretas”.
Aras disse que discordâncias que extrapolem as manifestações críticas devem ser tratadas pelas vias adequadas, de modo a não criar constrangimentos, dificuldades e até injustiças. E que o Ministério Público trabalha pela sustentação da ordem jurídica e democrática.
Após o representante do Ministério Público Federal, falou o ministro Edson Fachin, o único integrante da corte a comentar o dicurso de Fux durante a sessão. Teve a oportunidade por ser o relator do processo que discute o marco temporal referente a terras indígenas, único item da pauta desta quarta.
Fachin elogiou a iniciativa do presidente da corte, a quem se referiu como “um predicante do governo do homem pelas leis, da Justiça e da segurança jurídica”.
Disse que, sob a condução de Fux, o Supremo é um tribunal que se guia pelo governo das leis e “não pelo governo da violência, da ameaça ou do vilipêndio institucional”.
A atual crise institucional, patrocinada por Bolsonaro, teve início quando o presidente disse que as eleições de 2022 somente seriam realizadas com a implementação do sistema do voto impresso -mesmo depois de essa proposta já ter sido derrubada pelo Congresso.
No discurso em São Paulo, ele voltou a mirar o sistema eleitoral e o ministro Barroso. “Não é uma pessoa que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável, porque não é”, afirmou. “Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada ainda pelo presidente do TSE.”