Órgão que vai analisar o pedido da cassação do mandato do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), o Conselho de Ética da Câmara tem um histórico de arquivamentos, lentidão e penas brandas.
Ramificação de uma instituição que tem o corporativismo como uma de suas características, o conselho segura sem qualquer movimentação, há mais de um ano, a análise do pedido de cassação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos de Jair Bolsonaro.
Além de várias manifestações de cunho antidemocrático, Eduardo é alvo do Conselho desde dezembro de 2019 por dizer que o resultado de uma hipotética radicalização da esquerda seria a volta do AI-5, o ato que marcou o início do período mais duro da ditadura militar (1964-1985).
O caso, porém, ainda não saiu da estaca zero e, no mundo político, são dadas como mínimas as chances de que ele seja punido.
O relator, Igor Timo (Pode-MG), foi escolhido relator em 5 de dezembro de 2019, mas até hoje não apresentou o relatório preliminar para dizer se é admissível ou não a representação. Procurado pela Folha, Timo não se manifestou.
Na sexta-feira (19), a Câmara confirmou, por 364 votos a 130, a decisão do STF de manter Daniel Silveira preso após ataques do deputado bolsonarista a ministros da corte e defesa ao AI-5.
Por uma decisão política da cúpula da Câmara, o Conselho de Ética ficou inativado no período da pandemia.
O fato é que, em funcionamento ou não, é muito difícil a Câmara punir um dos seus parlamentares.
Desde 2002, por exemplo, das 170 representações que chegaram ao conselho, em apenas sete casos o parlamentar perdeu o mandato. O último deles foi o ex-presidente da Casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), cassado em setembro de 2016.
Uma das punições mais recentes aprovadas pelo conselho foi a suspensão por seis meses do mandato do deputado Boca Aberta, em dezembro de 2019, por ele ter invadido e provocado tumulto em uma UPA na região metropolitana de Londrina (PR).
Um ano depois, porém, o parlamentar continua sem sofrer qualquer sanção e mantem-se no mandato, tendo direito a assessores, cotas e o salário de R$ 33,7 mil.
Recurso que ele apresentou à Comissão de Constituição e Justiça não foi analisado até hoje. Assim como nos casos de cassação, o parlamentar só será suspenso caso, após a CCJ, o plenário da Câmara referende o parecer do conselho com o voto de ao menos 257 dos 513 parlamentares. Não há data para que isso ocorra.
“O arquivamento ou a punição depende, caso a caso, da robustez da acusação, das provas materiais, documentais ou testemunhais e da defesa, que compõem o parecer do relator. Ele é apresentado,
discutido e votado pelos conselheiros antes de ser submetido ao plenário da Câmara, a fase final do rito”, diz o atual presidente do conselho, o deputado Juscelino Filho (DEM-MA).
“Em 2019, tivemos recorde de mais de dez processos no conselho, que funcionou normalmente até antes da pandemia, passou 2020 sem sessões e será reaberto na próxima semana com sessões mistas, virtuais e presenciais”, completou.
Além dos casos de Eduardo e de Silveira, o Conselho de Ética aguarda ainda a chegada da representação contra a deputada Flordelis (PSD-RJ), denunciada pelo Ministério Público em agosto sob acusação de ter mandado matar o marido, Anderson do Carmo.
A Mesa da Câmara já aprovou resolução em que pede a cassação da parlamentar.
Outro caso que está estacionado há mais de uma na Mesa da Câmara é de Wilson Santiago (PTB-PB), acusado de desviar verbas de obras contra a seca no Nordeste.
Em fevereiro de 2020 ele foi salvo pelo plenário da Câmara, que derrubou o afastamento determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello.
O argumento público dos deputados, então, foi que o local adequado para análise do caso do parlamentar era o Conselho de Ética, não o STF.
Apesar disso, até hoje a Mesa da Câmara, que representa a cúpula da Casa, não decidiu se manda ou não o caso do parlamentar para o Conselho.
A paralisia do conselho durante a pandemia foi criticada por integrantes do órgão e por líderes de partidos da oposição.
” É inadmissível que a comissão de ética não funciona. O caso de Daniel nos convida a corrigir isso. Não cabe na Câmara Federal um deputado que atenta sistematicamente contra a democracia. Para nós, do PSOL, ele tem que ser cassado imediatamente”, afirmou Talíria Petrone (PSOL-RJ).
O deputado Julio Delgado (PSB-MG) diz acreditar que o conselho terá independência para analisar as novas representações. Antigo integrante do conselho, ele relatou entre outros o processo que resultou na cassação do ex-ministro José Dirceu (PT), em 2005, durante o escândalo do mensalão, .
“Vejo esse conselho com a independência necessária para fazer esses julgamentos, só tem que funcionar, o que não foi possível em 2020, mesmo tendo mandato”, disse Julio, lembrando que os integrantes do órgão, diferentemente das outras comissões, são eleitos para mandatos de dois anos.
A atual formação do colegiado está encerrando seu mandato em março. Acordo político entre os partidos, entretanto, pode repetir a composição para os próximos dois anos.
Siglas do centrão, que dão sustentação política a Bolsonaro, controlam o conselho atualmente.
Em mais um exemplo da pouca inclinação a punição, os registros do órgão mostram que a família Bolsonaro é campeã de incursões no conselho, mas nunca houve sanção.
Assim como Jair, alvo de quatro representações, Eduardo também se destaca e já recebeu cinco, desbancando do pai o título de recordista.
Duas delas foram em 2016, no episódio das cusparadas durante a sessão que autorizou o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT). Ele as direcionou a Jean Wyllys (PSOL-RJ), que havia cuspido no pai de Eduardo momentos antes.
As três outras representações são uma por atacar a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) nas redes sociais e duas pela citação ao novo AI-5. Da primeira já há relatório favorável ao arquivamento sob o argumento, principal, de que o deputado tem imunidade por suas falas e opiniões.
O artigo 53 da Constituição diz que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Críticos da leniência do conselho, porém, apontam que essa imunidade não é absoluta e que algumas atitudes e manifestações podem representar “abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional”, uma das razões constitucionais para a perda do mandato.
A Câmara adotou na manutenção da prisão de Silveira, na sexta (19), o segundo entendimento.Ranier Bragon e Danielle Brant / Folha de São Paulo