NOVA BAHIA 2024

Chocolate: com pequenos produtores, cacau vem renascendo na Bahia

Os coronéis do cacau imortalizados nas obras do escritor Jorge Amado já não existem mais. A Bahia, porém, começa a recuperar o espaço perdido na produção da matéria-prima do chocolate, tão tradicional na Páscoa, por meio de uma transformação sem precedentes no cultivo. No lugar das grandes fazendas, pequenos produtores avançam com frutos de melhor qualidade na disputa do mercado de cacau fino e chocolates premium .

A safra — que cresce há três anos consecutivos, mesmo depois de dois anos de seca na Bahia — vai fechar o período 2018/2019 em 197 mil toneladas, segundo a Organização Internacional do Cacau. É metade do que o país colhia na década de 1980, quando o fungo conhecido como vassoura-de-bruxa devastou as plantações e transformou o Brasil, que já foi responsável por 20% da produção mundial, em importador de cacau.
Hoje, os maiores produtores de cacau são Costa do Marfim, Gana, Equador e Indonésia, que somam 75% das 4,5 milhões de toneladas produzidas no mundo em 2017. O Brasil ocupa a sétima posição, com 4% da produção global.

Nova configuração
A praga na lavoura de cacau acabou mudando a configuração do então improdutivo sistema de plantação que predominava na região de Ilhéus e Itabuna, no Sul da Bahia. Afundadas em dívidas, as grandes propriedades foram substituídas por cerca de 126 mil pequenas, muitas de agricultura familiar e assentamentos agrários. Até mesmo a Terra Indígena Tupinambá de Olivença planta cacau.
— Hoje 80% dos produtores são pequenos proprietários de terra, que não querem mais falar de crise. Querem mostrar que a região produz com qualidade — diz o agrônomo Cristiano San’tana, diretor executivo da Associação Cacau Sul Bahia.
A renovação das lavouras tem conseguido aumentar a produtividade e expandir o cultivo. Na divisa da Bahia com Pernambuco, o cacau já está sendo plantado a céu aberto, com irrigação e plantas resistentes às pragas. O método é muito mais produtivo do que o implantado pelos colonizadores no Sul da Bahia, no qual a planta cresce sob a sombra de outras árvores.
— Na média, vamos colher cem arrobas por hectare. Mas, em algumas áreas, conseguimos entre 170 arrobas e 180 arrobas por hectare. Essa questão de elevar a produtividade já está vencida — conta Nelson Costa, que acrescentou o cacau à sua produção de frutas entre a Bahia e Pernambuco e já tem cerca de 43 hectares com plantas de alta produtividade e irrigação gotejada.
A América Latina produz 80% do cacau fino vendido no mundo. O Equador lidera, com dois terços das vendas globais. Seus dois principais concorrentes no segmento são Peru e República Dominicana. O Brasil quer entrar nessa disputa.
O chef francês Alain Ducasse, um dos principais nomes da gastronomia e estrelado pelo Guia Michelin, já utiliza as amêndoas de cacau produzidas no Sul da Bahia na sua Le Chocolat, uma das mais concorridas lojas de chocolates da França.
— Importamos mil quilos de amêndoas de Ilhéus por ano. Buscamos amêndoas da melhor origem, e o cacau do Brasil é aromático e sedutor — disse ao GLOBO por e-mail Emmanuelle Perrier, diretora de Comunicação da Ducasse Paris.

Ainda falta escala
A melhoria da qualidade do fruto também tem sido alcançada e já conta, desde o ano passado, com um selo de controle de origem. Com investimento em pesquisa e tecnologia, cerca de 300 produtores no Sul da Bahia já conseguem vender mais que uma commodity , com preço ditado pelos mercados internacionais. Enquanto o quilo do cacau comum é vendido entre R$ 7 e R$ 10, o de maior qualidade atinge entre R$ 15 e R$ 25.
A produção de alta qualidade tem estimulado também a produção local de chocolates finos , com teor de cacau acima de 70%, que movimentam US$ 1 bilhão no mundo por ano. É apenas uma fração dos US$ 100 bilhões que giram em torno dos outros tipos de chocolate no mundo, mas o mercado premium cresce 10% ao ano, enquanto o de produtos comuns cresce apenas 2%.
— Ainda temos gargalos, como a falta de escala no Brasil para os chocolates premium , a dificuldade de exportar matéria-prima de qualidade e o endividamento de uma parte dos grandes produtores. Mas o país vem se recuperando — diz Adilson Reis, analista especializado em cacau do site Mercado do Cacau.
A fábrica de chocolates finos Bahia Cacau, criada em 2017 na cidade baiana de Ibicaraí, criada pela cooperativa local de produtores, já produz cerca de uma tonelada por mês, que gera um faturamento de R$ 120 mil. Até bem pouco tempo, os produtores locais só vendiam as amêndoas, a matéria-prima do chocolate, para o processamento na indústria. Nos últimos anos, cerca de 60 deles iniciaram um manejo mais cuidadoso para produzir amêndoas de melhor qualidade e vender um produto de maior valor agregado.
— Já vendemos para Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio, Paraná e São Paulo. Nosso objetivo agora é exportar — diz Osaná Crisóstomo, presidente da Bahia Cacau.

Novas fronteiras
Há ainda investimentos em mel de cacau, geleias e manteiga de cacau, insumo para a indústria de cosméticos. Nessa fase de recuperação, o cacau ganha novas fronteiras no país.
Na Amazônia, há crescimento com a recuperação de áreas degradadas, já que a árvore é nativa desse bioma. No Mato Grosso, Ceará e Pernambuco, fazendas já usam variedades de alto desempenho.
Fonte: O Globo

SIEL GUINCHOS

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