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Juízo 100% digital é realidade na Bahia e ultrapassa 192 mil processos

Modalidade foi regulamentada em junho deste ano

As salas passivas possibilitam o acesso à Justiça sem que as pessoas precisem comparecer aos fóruns fisicamente – Foto: Rafaela Araújo | Ag. A TARDE

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) ocupa a 9ª posição no ranking do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de tribunais brasileiros com o maior tempo de espera para a conclusão de processos, levando em média quatro anos e um mês para os concluir as causas judiciais- em 1º está o tribunal paulista, com uma média de sete anos.

Buscando reverter essa situação, o CNJ tem instaurado o chamado Juízo 100% Digital em todo o País com o objetivo de aproveitar ao máximo a tecnologia para acelerar os processos judiciais com as chamadas salas passivas, que se valem da tecnologia para o acesso à Justiça sem comparecer fisicamente aos Fóruns. Na Bahia, a modalidade, regulamentada em junho deste ano, já alcançou o número de 192.585 processos em que todos os atos foram realizados no meio online.

Um desses processos foi de uma cliente do advogado de direito de família e sucessões, Ronaldo Borges, sócio do escritório Borges & Queiroz Advogados Associados. Domiciliada no Brasil, a cliente passa parte do ano no exterior com a filha e participou da audiência a mais de 8.000 km da Bahia. “Outro cliente meu é representante comercial, vive viajando e se preocupava onde estaria no dia da audiência. Já um outro é um estrangeiro que mora no Brasil, mas em outro estado, enquanto a criança convive em Salvador com a genitora e o processo tramita aqui”, conta.

Todas essas situações e de outra natureza, afirma ele, só foram possíveis graças ao Juízo 100% Digital, que tirou as barreiras e encurtou distâncias, “mas ele ainda tem muito a evoluir”, salienta o advogado. Porém, mesmo que se tenha ganhado tempo, o modelo não tem deixado os processos mais eficientes. “A tecnologia tem sido uma aliada, mas precisamos de material humano para presidir audiências, proferir decisões e praticar determinados atos no processo. Então, o Juízo sozinho não tornou ou tornará os processos mais rápidos e eficientes. Para isso é preciso concurso para contratar mais servidores”, argumenta.

Para Ronaldo Borges , toda mudança causa certo impacto aos envolvidos, mas ainda é muito cedo para medir a otimização dos processos que aderiram ao sistema Juízo 100% Digital. E quem concorda com isso é a advogada e diretora jurídica da Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (ASSETBA), Diana Virginia de Souza Bastos. “No que diz respeito aos nossos servidores, que são de processos em 2º Grau e responsáveis pela parte da intimação, o Juízo 100% Digital tem sido um sucesso, mas a adesão ainda é pouca, e é preciso mais tempo e processos para medir sua eficiência”, afirma.

A adesão ainda é bem tímida e sofre com entraves criados pela conexão de internet ruim de alguns cidadãos, mas a expectativa é que cada vez mais pessoas façam uso da modalidade. “O mundo está caminhando para o digital e acho difícil retroceder. Qualquer processo pode ser resolvido dessa forma, mesmo os criminais, basta que o advogado e seu cliente optem por ela ao dar entrada no sistema ou o cliente decida, ainda no meio do processo, mudar para o virtual. Porém, aderir ao Juízo 100% Digital é uma opção, não obrigatoriedade, e ambas as partes precisam concordar”, explica a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), Cynthia Maria Pina Resende.

Pessoas com processos tramitando há até 5 anos podem solicitar que a ação mude para a modalidade online, e para aqueles que não possuem infraestrutura ou conhecimento suficiente para manusear ferramentas tecnológicas é possível agendar horário numa sala passiva. “É um espaço com mesa, computador, câmera e um facilitador que irá orientar o cidadão. Elas estão sendo implantadas aos poucos nas comarcas e a primeira de Salvador está no Fórum Ruy Barbosa, mas em breve outras serão instaladas por todo o estado”, afirma a desembargadora.

Juíza e presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (AMAB), Nartir Weber lembra que, assim como é escolha do cidadão optar pelo Juízo 100% Digital é facultado aos magistrados das unidades jurisdicionais indagar às partes se concordam que processos já em curso tramitem por essa modalidade. A juíza destaca a importância dos investimentos em tecnologia do poder judiciário, o que proporciona mais agilidade e eficiência ao trabalho dos magistrados e dos servidores. “O juízo 100% Digital traz benefícios a todas as partes envolvidas, com mais celeridade aos processos, pois os atos acontecem de forma remota”, enfatizou.

Celeridade

A redução no que diz respeito ao deslocamento de todos os envolvidos têm acelerado muito os processos, afirma o advogado de direito do consumidor e direito bancário, Bruno Pereira da Silva Conceição. “Às vezes, a impossibilidade do transporte acaba em remarcação, por exemplo. O modelo tem facilitado também os acordos, pois o contato próximo e constante entre os advogados do autor e do réu no meio virtual acelera o processo, enquanto no presencial era bem mais demorado”, explica.

Por outro lado, a remarcação de audiências em razão de um problema ou outro que os clientes tenham com a internet tem dado dor de cabeça. Isso porque, afirma o advogado, alguns magistrados entendem que hoje qualquer pessoa tem acesso à internet, quando a realidade não é essa. “Mesmo que as pessoas tenham um celular, muitas vezes elas ficam dependentes de uma conexão Wi-Fi boa o suficiente para manter uma chamada de vídeo. E alguns juízes têm tomado uma postura mais resistente quando as remarcações são por esse motivo”, explica.

Conselheira Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB/BA), a advogada Mariana Matos de Oliveira chama atenção para os processos que demandam a produção de prova oral e/ou pericial. “Nesses casos, a adoção do Juízo 100% Digital pode prejudicar ou trazer insegurança para a defesa dos interesses das partes em razão de que tudo será feito na modalidade virtual. Além disso, a realização das intimações, das citações e das notificações, por qualquer meio eletrônico, também representa desvantagem, que terá uma maior responsabilidade na identificação imediata dessas comunicações e no correto funcionamento desses meios”, afirma a conselheira.

Programa busca expandir acesso ao serviço on line

Balcão virtual, audiências por videoconferência, consultas processuais e serviço digital assistido. Esses são os benefícios oferecidos pelo Programa Justiça para Todos, uma parceria entre o Poder Judiciário da Bahia (PJBA) e as prefeituras do estado, que juntos estão buscando implantar pontos de inclusão digital nas cidades que não possuem sede de comarca. Para isso, o judiciário baiano tem conversado com os municípios e outros órgãos de cidades do interior para que espaços sejam disponibilizados, oferecendo nelas os serviços das salas passivas de cidades com comarcas.

“É um projeto muito importante, bom para a população, para o Município e para o Judiciário. Ele segue recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aproximando e abrindo as portas do judiciário baiano por meio do uso da tecnologia”, declarou a juíza Fabiana Pelegrino, coordenadora de implantação do programa, que é uma iniciativa da Coordenadoria de Apoio ao Primeiro Grau – que integra o Programa Justiça 4.0, instituído pelo CNJ -, liderada pela desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, coordenadora de Apoio ao Primeiro Grau de Jurisdição.

Para além disso, a desembargadora conta que varas virtuais estão sendo criadas e núcleos especiais têm sido pensados, tomando como base as possibilidades criadas pelo Juízo 100% Digital. “Essas varas têm ajudado comarcas com processos congestionados de toda a Bahia, basta que a comarca peça esse apoio. Já a criação de núcleos especiais de justiça, como um dedicado apenas à saúde pública, é um desejo nosso. Usando o meio virtual para garantir juízes especializados de toda a Bahia e levando ao conhecimento do cidadão a modalidade virtual como uma opção válida, a celeridade dos casos só aumentaria”, explica a desembargadora.

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