Um novo estudo sobre a efetividade da vacina AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fiocruz e amplamente aplicada na população, mostra que ela confere uma alta proteção contra a variante Gama do novo coronavírus em pessoas acima de 60 anos. E reforça a necessidade de imunização completa para que isso ocorra.
O estudo busca responder se o imunizante, testado inicialmente contra a primeira variante do coronavírus, identificada em Wuhan, na China, segue conferindo proteção às pessoas idosas diante de uma nova variante como a Gama.
Segundo a pesquisa, publicada nesta quinta (28) na revista Nature Communications, a segunda dose eleva em cerca de 30% a proteção contra a morte, em relação à primeira, chegando a uma efetividade de 93,6%.
“Sabemos que os idosos têm a questão da imunossenescência [alterações do sistema imunológico provocadas pelo envelhecimento], mas essa análise nos maiores de 60 anos mostra que, mesmo no contexto da circulação da Gama, o esquema vacinal completo garante uma boa proteção. Daí a necessidade de buscar os faltosos, encontrar todo mundo que não completou o esquema vacinal e garantir que tomem as duas doses”, afirma o cientista Julio Croda, que é pesquisador da Fiocruz e coordenou o estudo.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, cerca de 540 mil pessoas já deveriam ter tomado a segunda dose da vacina e ainda não apareceram nos postos de saúde. O número equivale a 6,3% dos que já estão totalmente imunizados.
Ensaios clínicos anteriores em outros países já mostravam uma certa queda na efetividade da primeira dose das vacinas contra as novas variantes de preocupação. Daí a importância da confirmação de que, com a segunda dose, a proteção é ampla mesmo diante de uma variante como a Gama.
A pesquisa atual mostra que, 28 dias após a primeira dose, a efetividade da vacina da AstraZeneca contra a Gama era de 33,4% para a Covid-19 sintomática entre os maiores de 60 anos.
Croda aponta a queda: “A efetividade em geral [antes das novas variantes] era de 76% com a primeira dose para prevenção de doença sintomática”, diz ele. “Registramos menos, mas isso é o que está sendo reportado em todo o mundo para as novas variantes, principalmente a Beta, a Gama e a Delta: uma perda de efetividade, de proteção para a forma sintomática [com a primeira dose]”, segue ele.
“A boa notícia é que, com duas doses, essa efetividade é extremamente elevada contra o óbito. Chega a quase 94%. Então, são dados muito positivos, mostrando que a vacina da Fiocruz continua funcionando, inclusive no contexto de uma nova variante, a Gama”, acrescentou.
Depois de 14 dias da aplicação da segunda dose entre os idosos de mais de 60 anos, a efetividade da AstraZeneca contra a Gama subiu dos 33,4% da primeira dose para 77,9%.
Contra hospitalização, ela saltou de 55,1% depois da primeira dose para 87,6% após a segunda aplicação. Já em relação à morte entre idosos, o salto foi de 61,8% para 93,6%.
O pesquisador da Fiocruz observa que, mesmo diante do avanço da Delta, a vacina da AstraZeneca parece se manter efetiva. “Se houvesse uma mudança, a gente ia verificar um aumento de casos e a aceleração dos óbitos. E não estamos observando isso até o momento. O Rio foi epicentro da Delta, e a tendência é de redução de hospitalização e morte. Acredito que as vacinas continuam funcionando para a Gama e a Delta”, disse Croda. “Ainda temos pouco tempo de circulação da Delta. Precisamos de mais dois ou três meses de predomínio dessa variante para fazer este mesmo tipo de avaliação.”
A pesquisa coordenada por Croda busca responder à escassez de dados sobre a efetividade da AstraZeneca na população idosa em países com uma alta prevalência da Gama – variante identificada pela primeira vez em Manaus.
Ela foi feita no estado de São Paulo, o mais populoso do país e que atravessou três ondas da epidemia de Covid-19, acumulando mais de 3,89 milhões de casos e 130 mil mortes até 9 de julho.
Durante a segunda e a terceira ondas, a variante Gama aumentou sua circulação e chegou a uma prevalência de 80,2% no estado de março a maio deste ano.
Participaram do estudo os pesquisadores Matt D.T. Hitchings, Otavio T. Ranzani, Murilo Dorion, Tatiana Lang D’Agostini, Regiane Cardoso de Paula, Olivia Ferreira Pereira de Paula, Edlaine Faria de Moura Villela, Mario Sergio Scaramuzzini Torres, Silvano Barbosa de Oliveira, Wade Schulz, Maria Almiron, Rodrigo Said, Roberto Dias de Oliveira, Patricia Vieira da Silva, Wildo Navegantes de Araújo, Jean Carlo Gorinchteyn, Jason R. Andrews, Derek A.T. Cummings, Albert I. Ko e Julio Croda – os dois últimos do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia) e Fiocruz Mato Grosso do Sul. Os demais integram instituições como a Universidade Flórida, o Instituto Global de Saúde de Barcelona, a Universidade de São Paulo e a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), entre outros. Mônica Bergamo/Folhapress