Salvador, 12 de maio, Unidade Semi-Intensiva do Hospital Português. Um advogado, de 27 anos, é levado para o local após quatro dias internado no quarto para realizar exames e um tratamento contra um câncer localizado entre o coração e pulmão. Poucos minutos depois, o pai do jovem recebe uma ligação dentro do espaço.
Era um suposto médico, que se apresentou com o nome de Bruno Araújo e seria responsável por uma espécie de Departamento de Exames do Hospital. “Ele disse que havia uma alteração nos meus exames e que poderia ser um indicativo de leucemia”, contou o advogado, que preferiu o anonimato.
Na ligação, o dito especialista informou ainda que havia a necessidade de se realizar mais exames. No entanto, o plano de saúde só poderia executá-los em três dias. Contudo, os procedimentos poderiam ser feitos mais rapidamente, desde que o pai do jovem fizesse um depósito no valor de R$ 3 mil.
Aproveitando-se da fragilidade de muitas famílias, uma quadrilha vem agindo em diversos hospitais pelo país com o intuito de extorquir os responsáveis pelos pacientes. Na Bahia, além dos casos no Hospital Português, relatos de vítimas do mesmo golpe também ocorreram em outras unidades como o Aliança, São Rafael e o da Bahia.
“Uma pessoa viria até o meu quarto e faria a coleta naquele mesmo dia”, informou o advogado. Diante do desespero, natural em momentos como esse, o pai dele aceitou a proposta. Assim, o suposto médico passou o número de uma conta na qual o depósito deveria ser feito. O responsável acabou depositando o dinheiro.
“Ele só veio descobrir que caiu no golpe quando foi questionar os funcionários do hospital sobre o real resultado dos exames e foi avisado pela equipe da unidade que os resultados eram positivos. É uma situação que já vem ocorrendo e os enfermeiros já conhecem o golpe. Inclusive, no dia seguinte à minha situação, no mesmo local, outra pessoa acabou sendo lesada”, explicou o paciente.
A surpresa do pai do rapaz não parou por aí. Logo em seguida, ele foi prestar queixa na 14ª Delegacia Territorial (DT), localizada na Barra. Por lá, ele foi informado de que, recentemente, outras dez ocorrências semelhantes já haviam sido registradas na Delegacia. “Meu pai também é advogado e pensa em entrar com uma queixa-crime, além de uma denúncia junto ao Ministério Público”, disse.
Para a família, a sensação é de indignação e revolta. “O Hospital Português até tem avisos espalhados pelos corredores informando do golpe, mas acho que eles poderiam ser mais incisivos neste aviso aos pacientes. O problema é que outros casos já ocorreram, mas nunca foram investigados e medidas nunca foram tomadas. Isto não pode passar em branco. Como é que eles conseguem ter um acesso tão fácil as famílias? A gente desconfia de todo mundo, afinal, tínhamos um diálogo muito bom com médicos e enfermeiros”, contou o advogado.
Unidades tentam alertar para a ação fraudulenta
Procurado para falar sobre o assunto, o Hospital Português não se pronunciou até o fechamento desta edição. No entanto, ao entrar no site da instituição, uma janela pop-up logo aparece em destaque informando a seguinte mensagem: “Informamos que o Hospital Português não faz contato telefônico com pacientes internados e/ou responsáveis solicitando pagamentos de procedimentos hospitalares através de transações financeiras para crédito em conta de terceiros”.
Local onde também foram relatados casos de golpe contra pacientes e familiares, o hospital da Bahia não respondeu a reportagem. Mas, em seu site, a primeira unidade deixa claro, também em uma janela pop-up, que “não solicita qualquer tipo de pagamento e/ou depósito em crédito para terceiros”. A orientação é a de que os clientes façam os depósitos e pagamentos no caixa do hospital.
Em nota, o Monte Tabor/Hospital São Rafael (HSR) informou que, “assim como as demais unidades de saúde do país, também enfrenta problemas relacionados às tentativas de golpes telefônicos. Como forma de combater o problema, adotamos medidas para alertar o público interno, mediante palestras com profissionais da área de segurança e distribuição de material informativo, e atua junto ao público externo, por meio de informativos, veiculados em nosso portal, TV corporativa, cartazes voltados a pacientes e familiares. Além disso, nossas equipes estão orientadas a receber e apoiar os familiares, em caso de abordagens suspeitas, encaminhando-os para que prestem queixa às autoridades policiais, para as providências devidas”.
Também através de nota, o Hospital Aliança informou que houve, no ano passado e no início de fevereiro, registros de familiares que receberam ligações suspeitas e criminosas. “O Hospital Aliança, além de acionar a polícia, adotou imediatamente medidas preventivas para alertar as famílias. Nossos profissionais assistenciais têm alertado aos acompanhantes. Além disso, foram colocados cartazes em todos os apartamentos alertando para o golpe e, no ato da internação, um comunicado sobre o assunto é entregue ao responsável pelo paciente”, disseram.
Segundo a Associação dos Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), foram emitidas duas notas de alerta ao público e aos hospitais, em abril e setembro do ano passado, por conta dos golpes. “Tem que se apurar como essa quadrilha tem acesso as informações privilegiadas. É um trabalho que precisa de uma investigação mais profunda, afinal os estelionatários são muito habilidosos. A nossa recomendação é a de que o serviço social ou a administração do hospital sejam procurados antes para que os fatos sejam esclarecidos”, comentou Mauro Adam, presidente da associação.
A reportagem, ao longo de toda esta sexta-feira, tentou entrar em contato com a titular da 14ª Delegacia, local onde a queixa do golpe – apontada no início da reportagem – foi realizada, para saber mais detalhes acerca do procedimento, mas não tivemos sucesso.