Saborosa e popular, a mandioca vai ficar também mais nutritiva. É o que promete a Novo Horizonte, uma nova variedade do tubérculo, que apresenta um alto teor de amido de até 33%, acima das mandiocas tradicionais que alcançam 28%. Ela é um tipo de mandioca brava, direcionada para a indústria, e que não pode ser consumida diretamente, apenas depois de ser processada.
A BRS Novo Horizonte foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e a Bahiamido Serviços Agroindustriais S.A, única fecularia industrializada em funcionamento no estado.
O amido é a fécula da mandioca, a parte da planta onde está o carboidrato, rico em vitaminas do complexo B, B1, B2, B6 e vitamina A.
De acordo com os pesquisadores, além de possuir muitos nutrientes, a nova mandioca é mais resistente às principais doenças que costumam afetar a lavoura, como a podridão radicular e a antracnose, que atinge as folhas e murcha a planta.
O ponto principal é o acúmulo de amido, mas ela apresenta ainda outras características que são imprescindíveis para a indústria, como por exemplo, a cor da casca, do córtex, da polpa, e uma elevada taxa de multiplicação”, afirma Manoel Oliveira, encarregado de desenvolvimento agronômico da Bahiamido, onde os testes foram realizados.
A empresa fica em Laje, a 230 quilômetros de Salvador, no centro Sul da Bahia e já usa outras três variedades de mandioca. Apenas da Novo Horizonte já são 65 hectares plantados. A matéria-prima é utilizada na fabricação de tapioca, farinha, amido modificado e polvilhos doce e azedo.
“Temos uma aposta grande nesse material. Atualmente a Novo Horizonte responde por cerca de 4% do montante da produção. A estimativa é de chegarmos a pelo menos 30% da nossa área em 2020, e a 50% em 2021”, acrescenta Manoel Oliveira.
O município está no Vale do Jiquiriçá, área de transição entre a Zona da Mata e o Agreste, e só no ano passado produziu cerca de 61 mil toneladas de mandioca. Com base em condições climáticas similares, a nova variedade está sendo indicada para plantio nas microrregiões de Valença, Santo Antônio de Jesus e Jequié.
Rentável
Boa para a saúde e promissora para o bolso dos produtores rurais. Nos testes realizados em campo, a nova variedade gerou 27,5 toneladas de raízes por hectare. Isso significa até 15,5 toneladas a mais do que as variedades cultivadas até agora. Com a tonelada custando em média R$ 250, o produtor pode ganhar até R$ 3.875 a mais por hectare.
“Pela qualidade do amido, ela pode ser usada na fabricação de produtos que têm valor agregado maior. E o setor agrícola tem gostado pela taxa multiplicativa e pela capacidade de produção do material”, explica o pesquisador da Embrapa, Eder Oliveira.
Outro diferencial da Novo Horizonte é a altura das ramificações. A planta pode chegar a um metro e meio de altura, característica que facilita a colheita mecanizada e promove maior cobertura de solo, protegendo a raiz de plantas daninhas.
Paciência
Assim como os antigos índios que sempre cultivaram a mandioca e passavam horas preparando o alimento, a nova variedade exigiu paciência dos pesquisadores até ficar pronta para ser lançada no mercado.
As pesquisas começaram há 20 anos através do Programa de Melhoramento Genético da Mandioca, na unidade da Embrapa em Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. Os estudos começaram com a pesquisadora Wania Fukuda, que já se aposentou, e foram finalizadas com o pesquisador Eder Oliveira, que coordenou as pesquisas nos últimos anos.
As vantagens da nova cultivar não param de aparecer. Depois de vários testes em campo, a Novo Horizonte demonstrou também mais facilidade no processo de extração do amido, devido ao alto teor de matéria seca nas raízes, quase 40%.
“Às vezes há até muito amido, mas ele está tão aderido à fibra que a eficiência do processo de extração não é tão elevada. E, aparentemente, a Novo Horizonte tem uma eficiência de extração alta, por isso, o rendimento de amido tem sido bastante interessante. E é isso que a indústria quer: carregar menos água e ter materiais com mais amido, o que influencia muito no custo de produção”, pontua o pesquisador.
Tradição reinventada
O Brasil é considerado centro de origem e dispersão da mandioca no mundo. O país tem mais de quatro mil variedades da planta, e daqui saíram as mandiocas cultivadas em vários países dos continentes asiático e africano.
Não é de hoje que este alimento, cultivado há milênios pelos povos indígenas, vem se reinventando.
Depois que o Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) afirmou que a mandioca será o principal cultivo do século 21, ela começou a ser vista com outros olhos. A FAO considera que a mandioca é a planta que tem o maior potencial para atender a demanda mundial por alimentos, exigindo menos investimentos. A planta não exige muita água, é resistente à seca e brota em solos de baixa fertilidade.
De acordo com Joselito Motta, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, que estuda os benefícios da mandioca há quase 50 anos, a planta tem valor de ouro, apesar de pouco reconhecida até agora. “Ela é tratada como a gata borralheira da agricultura. Mas quando planta no fim da chuva, é ela que salva a lavoura”, defende.
Foi Motta que em 2005 desenvolveu a tapioca colorida, usando ingredientes como beterraba e maracujá. “A ideia foi agregar sabor, cheiro e valor nutritivo ao acrescentar verduras e frutas para fortalecer o valor energético e, principalmente, para enriquecer a merenda escolar. Hoje muitos municípios já utilizam na alimentação das escolas”, conta.
Nas regiões centrais do Brasil, tem gente consumindo a tapioca com as frutas do cerrado, como o pequi e o jatobá. No norte do país, a mistura leva tucumã e açaí. No sul do Brasil até o butiá, fruto típico da região, já foi usado no preparo. Já no Nordeste, a opção recomendada é acrescentar abacaxi ou maracujá na hora de hidratar a massa.
Joselito se orgulha de ser o maior ‘mandioqueiro’ do Brasil. A paixão pelo cultivo é tão grande que o pesquisador costuma levar derivados da mandioca nas viagens que faz pelo mundo. Tem sido assim em diversos países por onde passou, entre eles Alemanha, Inglaterra e França. Em 2010, chegou a tirar uma foto histórica no alto da Torre Eiffel.
“Eu levo para onde eu vou. Levo farinha, bolachinha e tapioca. As pessoas de outros lugares precisam conhecer o valor deste alimento. Eu sonho com o dia em que o mundo reconheça a mandioca como grande patrimônio alimentar saudável”, conclui.
Receitas
Tapioca natalina
Para fazer a tapioca colorida a receita é simples. No lugar da água, use o sabor desejado para umedecer a goma seca, ou seja, qualquer sumo concentrado de fruta ou verdura. Depois basta espalhar na frigideira quente para ela ganhar textura de goma no formato desejado. Neste período de ceias animadas a dica é fazer uma receita de tapioca natalina.
*Umidifique uma tapioca com suco de maracujá e outra com suco de couve. Serão formados dois discos de tapioca, um verde e um rosa. Depois basta rechear com o ingrediente preferido, como palmito, azeitonas, passas e carne desfiada. Para decorar, use folhas de couve na base do prato.
*Para um lanche mais rápido, basta umedecer a tapioca com suco de maracujá e acrescente goiabada cremosa no recheio. A combinação vai deixar a tradicional tapioca com um sabor agridoce.
*Outra receita que vem se tornando popular é a pizzaioca. Ao invés de usar massa de trigo das pizzas tradicionais, basta utilizar como base a tapioca. A vantagem é que a tapioca não possui glúten, provoca sensação de saciedade e tem propriedades antioxidantes.
Tradição mantida
Apesar de atentos as novidades, muitos produtores rurais se mantêm fiéis ao cultivo tradicional da mandioca.
É o caso do agricultor Edison Oliveira Coutinho, do município de Rio Real, a 200 quilômetros de Salvador, no Nordeste da Bahia. Numa área de 70 hectares, ele cultiva três variedades de mandioca, entre elas a caravela, a mais cultivada no estado. O produtor rural fornece para vários estados, como Sergipe, Alagoas e Pernambuco, e não pensa em trocar de cultivo.
“A mandioca tem mercado certo. Eu posso até ampliar a plantação com outras lavouras, como milho. Mas a mandioca sempre será mantida. A nossa região é muito propícia para este cultivo. Vale a pena”, afirma o agricultor que colheu 350 toneladas da raiz em 2018.
Outro polo tradicional abrange os produtores de farinha de mandioca do Vale do Copioba, no recôncavo baiano. Nos municípios de Nazaré, São Felix e Maragogipe, eles produzem a famosa Farinha de Copioba, considerada uma das melhores do Brasil.
Especialistas acreditam que a farinha produzida nesta área da Bahia possui características singulares, como textura crocante peculiar, cor creme e umidade abaixo de 3%.
Com base nisso, os agricultores estão se organizando para pedir o reconhecimento de produto único e indicação de procedência. O objetivo é obter o Selo de Identidade Geográfica concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Existem dois projetos em andamento sendo acompanhados pela Universidade Federal da Bahia e pela Embrapa, que querem manter a tradição.
O Selo de Origem já foi concedido para outros produtos genuínos, como o Queijo da Canastra, em Minas Gerais. O reconhecimento atesta que em nenhum outro lugar do mundo se faz produto igual.
Produção na Bahia
A Bahia é um dos maiores produtores de mandioca do Brasil, ao lado do Pará, Paraná e Maranhão. A produção destes quatro estados coloca o Brasil entre os maiores produtores do mundo, atrás apenas da Nigéria e da Tailândia.
Os produtores rurais baianos produziram mais de 1,5 milhão de toneladas de mandioca este ano, segundo o IBGE. Cerca de 26,5% a menos do que no ano passado, apesar do aumento da área plantada. A redução teria sido um dos efeitos da prolongada estiagem que atingiu muitas regiões.
O cultivo se espalha por várias regiões do estado, mas os municípios campões em produção são Laje, Alcobaça e Vitória da Conquista.
Conheça as diferenças entre os tipos de mandioca
Mandioca amarga ou brava: São as destinadas ao fabrico de farinha. Tem alto teor de ácido cianídrico e exige processamento antes de consumir. O quilo custa em média R$ 1 .
Mandioca doce ou de mesa: Entre as mandiocas deste tipo estão a macaxeira ou aipim. Possui ácido cianídrico em baixa quantidade e não causam perigo ao homem se consumidas diretamente. O quilo custa em média R$ 2,50.