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“Tive tudo para virar bandido, matador, traficante”, diz primeiro medalhista do atletismo brasileiro

Altobeli das Silva Santos, prata na prova dos 5.000 metros em Lima, conta sua história desde os tempos em que foi expulso de casa e teve que morar duas semanas dentro de um carro

Foto: Wander Roberto/COB

Mais um Silva. Mais um Santos. Mais um brasileiro da periferia. Pobre. Comum. Mais um. O contraponto entre o sobrenome comum e o nome em homenagem a um jogador italiano daquela seleção campeã da Copa de 1982. Altobeli da Silva Santos. Primeiro brasileiro a ganhar uma medalha no atletismo nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru. Foi nesta terça, na prova dos 5.000 metros. Prata, muito perto do ouro. Mas nada nem ninguém consegue resumir melhor a vida do garoto que distribuía panfletos de supermercado nas ruas de Catanduva, interior de São Paulo, e se transformou em um atleta de elite no cenário internacional do que o próprio Altobeli. Com palavras duras, ele tenta explicar sua trajetória. Como aquele garoto que conheceu o esporte por meio de uma placa que anunciava uma moto como prêmio para o vencedor de uma corrida vê essa medalha de prata em um Pan? Altobeli fica em silêncio por dez segundos. E começa a falar:

– Na verdade, não. Não esperava ganhar uma medalha. Não esperava que eu seria um atleta de alto nível. Muito menos ir a um Pan-Americano e conhecer outros países. É uma história muito difícil que eu tive que superar. Um cara que foi criado sem pai, por uma mãe dura, colocado para fora de casa, morou dentro de um Corcel 2 durante duas semanas, um cara que passou dois Natais e dois Anos Novos na rua. Enquanto o pessoal passava e dava Feliz Ano Novo para mim, e eu de chinelo, sem rumo na vida devido à criação da minha mãe, que foi muito dura – afirma ao Globoesporte.com.

Aos 28 anos, Altobeli já participou de uma Olimpíada (foi nono na Rio 2016), de um Campeonato Mundial (21º em Londres 2017) e acumula vitórias em provas de 5.000 metros e 3.000 metros com obstáculos, esta segunda que ele ainda irá correr no Pan de Lima. Mas obstáculos, mesmo, ele lembra que enfrentou na vida.

– Eu tive tudo para ser um bandido, virar matador, traficante, qualquer outra coisa de ruim. Eu acho que a história das pessoas que vieram da periferia como eu, dos jovens, de todos, não se resume à falta de oportunidade. A oportunidade quem cria somos nós. Nossas escolhas. Sou um exemplo disso. Tenho orgulho de mim, não me gabo, mas tenho orgulho. O cara que saiu de onde eu saí, e alcançar o que alcancei, tem que ser muito guerreiro e honesto. Encarar a vida de uma maneira como poucos tem coragem de encarar. Na maior dificuldade, quando todos fraquejam e ficam no meio do caminho, eu continuei caminhando – diz.

Para ele, a letra da música “Um Pedido”, do rapper Hungria Hip Hop, é uma inspiração. Ele cita o trecho “Eu vi quatro amigos meus ir pro crime de otário / vi cinco pretos da favela virar empresário” da letra que começa com a rima: “Já pensou se eu tivesse parado / Desistido no meio do caminho / Quando a chuva escorria na telha / E a mesa mais farta era a do vizinho”.

Altobeli Santos na final dos 5.000m dos Jogos Pan-Americanos de Lima — Foto: REUTERS/Henry Romero

– Eu tinha 17 anos, mas desde os 13 anos minha mãe já me maltratava bastante. Eu não podia fazer coisas de homem normal, jogar bola, brincar, soltar pipa. Ela ficava muito brava comigo e não deixava eu entrar em casa. Aos 20 anos ela me colocou para fora de casa. “Se você quiser ser atleta, esse negócio de correr aí, você vai embora de casa”, ela disse. “Porque eu não permito, isso é vagabundagem para mim”. Eu falei: “Então estou indo porque eu vou atrás do meu sonho. Eu acredito e me falaram que eu tenho capacidade”. Eu ganhava R$ 200 por mês. Saí do trabalho em que eu ganhava quase R$ 1 mil, numa loja de móveis. Tinha parado de distribuir panfleto na rua, mas continuava no atletismo. E aí segui minha vida. Fui morar num Corcel 2, por duas semanas. Um carro que eu tinha comprado. Tinha o dinheiro de uma corrida que eu tinha ganhado e juntado com o que eu ganhava. Aí, ganhei outra corrida na no Interior, que eu ganhei R$ 400. Juntei R$ 1.400 na época e comprei esse carro que só dava dor de cabeça. Mas foi minha casa durante duas semanas que pareciam que não passavam nunca.

Altobeli nasceu e foi criado em Catanduva, cidade de cerca de 100 mil habitantes, localizada a 400 km da capital paulista, onde ainda mora sua mãe. E para onde ele quer levar sua medalha de prata pan-americana para mostrar a ela que o filho deu certo.

– Vim de um bairro de periferia mesmo, que durante um tempo foi considerada a Cracolândia de Catanduva. Não era favela, mas era um bairro mais simples – lembra, e respira fundo antes de responder se ainda tem contato com a mãe.

– Eu que ajudo minha mãe hoje, de um esporte que ela falou que era vagabundagem. Eu só vou levar a medalha para ela, mostrar para ela que o cara em quem ela mais tinha que acreditar, que a primeira pessoa em quem ela tinha que acreditar, ela não acreditou. Meus amigos falavam: “Isso é loucura, ficar correndo nessa rua aí no sol quente”. Mas eu tinha convicção que um dia esse louco ia chegar em algum lugar. Esse louco conheceu mais de 15 países. E os que falavam que eu era louco estão lá ainda, nunca saíram de Catanduva, não conhecem nem São José do Rio Preto, que fica a 50 km de lá. Eu não me gabo disso, não me acho superior. Mas é uma história. A gente não pode julgar ninguém, nem as escolhas de ninguém, desde que esse alguém seja honesto e transparente.

Altobeli da Silva prata nos 5000m atletismo Pan de Lima — Foto: Wander Roberto/COB

O Pan de Lima

O Pan de Lima reúne cerca de 6.580 atletas de 41 países das Américas. Dos 39 esportes, 22 valem como classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. No total, o Brasil terá 485 atletas em ação na capital do Peru. E os canais SporTV transmitem ao vivo os principais eventos até o dia 11 de agosto.

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