Empresários e banqueiros alertam para “choques” e “furacão” que virão com o desaquecimento na economia americana causado pela inflação e pela alta dos juros. Insegurança aumenta com novos surtos da pandemia e a guerra na Ucrânia
Depois das crises de 2007-2009 e do colapso de 2020, causado pela Covid, os EUA podem enfrentar até 2024 uma nova recessão. É uma péssima notícia para quase todas as nações do planeta, que serão afetadas após enfrentarem a pandemia e, recentemente, a guerra na Ucrânia. E os problemas da maior potência mundial, antecipados pelo aumento dos preços do petróleo, do gás e dos alimentos, acontecem em várias dimensões. As bolsas e a política americana estão também fragilizadas.
A inflação nos EUA está chegando ao pico de 40 anos e tem causado um salto no custo de vida da população. Para a dentista e empresária Denise Fraga, que reside atualmente no estado de Oregon e está no país desde 2001, a realidade é muito diferente de 20 anos atrás. “Como essa crise acho que a gente nunca viveu. Passamos por uma em 2008, quando teve o problema com os valores das casas. Afora isso, não lembro ter sentido tanto os reflexos das altas dos preços nas prateleiras dos supermercados. De um tempo para cá, houve o aumento de cerca de dois dólares no galão da gasolina. Enchíamos o tanque do carro com 70 dólares. Hoje, já estamos gastando 100”, diz. Essa é uma experiência generalizada para o consumidor americano. Em abril, os preços ao consumidor foram 8,3% superiores aos do ano anterior.
Fed aumenta juros
Para fazer frente à alta da inflação, o Fed, Banco Central dos EUA, já começou a subir os juros e a cortar estímulos financeiros, o que vai desacelerar a economia. O temor é que a dosagem seja alta a ponto de fazer a economia encolher, o que já é visto quase como inevitável. No último ciclo de inflação historicamente alta, nos anos 1980, o aperto do Fed levou a uma grande recessão que provocou uma crise mundial. Embora haja o risco, a recessão, segundo economistas, deve ser branda, mas não tão breve como a da Covid. “Nossas análises apontam para uma retração mais fraca, não devemos experimentar nada como 2008, por exemplo, quando o mercado financeiro foi pego de surpresa. A contração necessária está sendo muito bem anunciada pelo Fed, que vai puxar o freio de mão com o intuito de esfriar a inflação, mas não vão jogar a economia do precipício”, explica Bryan Caulkins, Financial Advisor e co-fundador da Proxy Financial nos EUA.
Mesmo que brandos, os efeitos serão inevitáveis. Em meio à guerra na Ucrânia e à persistência da pandemia, a economia mundial enfrenta riscos crescentes de estagflação. “Tivemos baixas de juros em níveis nunca vistos na história, por um período igualmente inédito. De 2008 a 2018, os juros em países desenvolvidos ficaram abaixo da norma histórica, e aparentemente os Bancos Centrais não conseguiam subir juros. Esse paradigma será quebrado este ano, para conter a inflação”, avalia Caulkins.
O risco de um choque global tem levado banqueiros e empresários a emitirem alertas. O CEO do J.P. Morgan disse que os investidores precisavam se preparar para “um furacão”. O presidente do Goldman Sachs, John Waldron, declarou que “a confluência do número de choques no sistema é sem precedentes”. O todo poderoso presidente da Tesla, Elon Musk, enviou e-mail para alguns executivos intitulado “Parem todas as contratações em todo o mundo”.
Assim como Musk, grandes empresas anunciaram que vão congelar contratações ou fazer demissões. “É um movimento para tentar antecipar a recessão. Companhias podem cortar funcionários que se tornaram caros nos últimos meses com a inflação salarial que se instaurou no país”, avalia o economista. Enquanto isso, o governo americano tenta relativizar o cenário e se beneficiar com o baixo desemprego, que está no menor nível em 50 anos. O secretário do Trabalho, Marty Walsh, disse que uma recessão é uma probabilidade real, mas que “a economia do país é forte”. Enquanto as autoridades aproveitam o tempo aquecido, os empresários, realistas, já veem as nuvens se formando no horizonte.