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Pandemia afeta formação de futuros médicos; universitários protestam contra suspensão de aulas práticas

Pandemia interrompeu continuidade da graduação no primeiro semestre de 2020; depois, reposição de aulas práticas teve que ser concentrada para atender às horas de aula. Associação Médica Brasileira afirma que impacto poderá ser minimizado ao longo da formação dos futuros médicos.

Larissa Mauler Lobo, 24 anos, durante manifestação contra a qualidade da formação em medicina durante a pandemia. — Foto: Arquivo Pessoal

A pandemia de Covid-19 poderia ser a chance para que alunos de medicina aprendessem na prática como lidar com uma emergência sanitária e situações de estresse, em especial nos dois últimos anos da graduação, quando participam de atividades práticas dentro de hospitais.

Mas a formação exige acompanhamento de médicos mais experientes e muitos foram deslocados para a linha de frente. Desde março de 2020, a maioria das aulas práticas foram suspensas ou resumidas a períodos mais curtos. Agora, a reposição ocorre de modo acelerado, de acordo com o relato de estudantes.

Universitários ouvidos pelo G1 temem pelo impacto na qualidade na formação. A Associação Médica Brasileira (AMB) confirma que pode haver déficit, mas aposta que ele deve ser minimizado ao longo da formação de cada futuro profissional.

Para se tornar médico, o aluno passa pela graduação ao longo de cinco anos. Os dois últimos são de aulas práticas (internato) em hospitais. Ao se formar, estão habilitados para trabalhar com clínica geral. Caso queiram se especializar, há ainda mais três anos de residência médica.

“Eu sinto, como docente, que a atividade dos primeiros anos foi levemente prejudicada, mas o grande prejuízo se deu nos últimos dois anos, que são de atividade de campo, em laboratórios, enfermarias, centros cirúrgicos”, afirma César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).

“Mesmo as instituições melhor qualificadas tiveram muita dificuldade em manter as condições do ensino prático”, avalia Fernandes.
Os relatos de protestos e reclamações de estudantes ocorrem nas redes pública e privada. Em fevereiro, os estudantes dos cursos de saúde da Universidade Federal do Piauí (UFPI) cobraram a volta às aulas na modalidade híbrida, quando parte dos alunos têm aulas de forma remota e outra parte presencial. As aulas presenciais foram suspensas em março de 2020. Em março, protestos foram puxados também na rede privada em São Paulo.

Três alunos ouvidos pelo G1 contam como está sendo a formação neste período. Confira os relatos:

Teoria a distância e prática concentrada em um dia

Larissa Mauler Lobo, 24 anos, está no terceiro ano de medicina. Ela ainda não faz as aulas práticas do internato, mas algumas disciplinas exigem que os estudantes pratiquem o que viram na teoria, como as aulas de anatomia.

Após a suspensão das aulas presenciais no primeiro semestre, substituídas pelo ensino online, o Ministério da Educação (MEC) baixou uma portaria autorizando que as práticas ocorressem. Na Universidade Santo Amaro (Unisa), na Zona Sul de São Paulo, onde Larissa estuda, estas aulas voltaram no segundo semestre do ano passado.

“A gente quer uma formação de qualidade. Para mim, o ano passado foi nulo”, afirma.

Antes da pandemia, o ensino era dividido. Metade da aula era teórica, e a outra metade era prática, no laboratório. A aula de anatomia, por exemplo, acontecia uma vez por semana. Com a pandemia, foram seis meses de anatomia topográfica no EAD (ensino a distância).

“Eles marcaram a reposição dos seis meses em um único sábado, em oito horas de aula. Você acha que algum aluno absorveu alguma coisa? Não tem a menor condição”, avalia.

Ela faz parte de um grupo que protesta pela qualidade da educação na Unisa. Cobram informações sobre demissão de professores, interrupção de contrato com hospitais para os alunos dos últimos anos fazerem o internato e desconto na mensalidade, de R$ 9,6 mil, para quem estiver com problemas financeiros.

No início de março, uma manifestação reuniu 300 pessoas – elas estavam dentro de carros e, segundo Larissa, não houve risco à saúde dos manifestantes.

O G1 entrou em contato por e-mail com a assessoria de imprensa da universidade e com a secretaria da graduação em medicina, mas não obteve retorno até a mais recente publicação desta reportagem.

Graduação ‘congelou’
Alesandro de Brito Filho, 24 anos, estuda na Universidade de Pernambuco (UPE), ligada ao governo estadual. Ele conta que a graduação “congelou” durante a pandemia: não avançou nos períodos, nem foi reprovado.

“Comecei 2020 no sexto período, terminei no sexto período, e comecei 2021 no sexto período, sem ter reprovado. Tudo por causa dos intercursos da pandemia”, afirma.

As aulas práticas ficaram reduzidas a grupos menores de alunos, tornando a frequência no hospital mais distanciada. A participação era opcional, e não “contava” para o currículo.

Com falta de equipamentos de proteção individual, eram os alunos mesmos quem compravam suas máscaras e luvas, segundo Alesandro.

Para ele, os estudos foram afetados também pela falta de estrutura para estudar em casa. Ele cita como exemplo as aulas, que eram ao vivo, e não ficavam gravadas.

“A minha internet tinha que estar funcionando no horário que a universidade colocou que ela deveria estar funcionando. A minha casa teria que estar em silêncio na hora que a faculdade decidiu que a minha casa deveria estar em silêncio. Foi bastante complicado ficar nessa situação. Tive que impor algumas coisas para que isso pudesse fluir minimamente bem.”

Em 2020, Alesandro foi entrevistado pelo G1 para falar do impacto econômico que a pandemia trouxe para a graduação e dos riscos de não continuar estudando. Na reportagem, ele contou que estudava com um smartphone. Após a publicação do texto, Alesandro recebeu doações que, juntas, poderiam ajudar a comprar um computador.

“Mas a pandemia gerou vários gastos na minha casa, e o computador em si não era mais uma prioridade. Minha mãe ficou sem trabalhar por um período. A doação foi super útil, super salvadora, mas por conta desses intercursos, não consegui comprar meu computador. Paguei as contas da casa”, conta.

“As pessoas de baixa renda têm diversas dificuldades que, sozinhas, podem não parecer que impactam. Como, por exemplo, a falta de um espaço específico para estudar em casa. A falta de estabilidade da internet. A falta de compreensão, até dos familiares, porque eu sou o primeiro universitário da minha família, e eles não entendem que eu estou fazendo uma aula, apesar de estar em casa. Tem todas essas pequenas travas que geram um desgaste físico, emocional e psicológico que acaba atrapalhando demais a gente”, revela.

O G1 entrou em contato com a UPE, mas não obteve retorno até a mais recente atualização desta reportagem.

Ansiedade e medo
Em meio à pandemia, Thiago D‘Alcântara, 24 anos, se formou em medicina em uma universidade privada de São Paulo. As aulas práticas ocorreram em um hospital público que também atendia pacientes com Covid-19. Ao lado da adrenalina de atuar durante uma emergência sanitária, D’Alcântara disse que viu muitos colegas tendo que lidar com a ansiedade e o medo de contrair a doença.

“Vi vários colegas ansiosos, com bastante medo, porque vários moram com os avós ou familiares mais idosos, e acabou tendo uma comoção grande”, conta.

Em outros momentos, os estudantes tiveram que assumir serviços que antes seriam supervisionados, mas na emergência, os professores estavam deslocados para atender casos mais graves.

“Aprendi a ter mais humildade. Nos primeiros meses, estávamos todos no mesmo barco. Médicos experientes, internos, ninguém sabia nada da doença”, relembra.

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