A CPI da Lava-Jato no Congresso peruano calcula que, em 15 anos, o custo do superfaturamento ligado à Odebrecht tenha chegado a US$ 3 bilhões.
Lula não foi o único ex-presidente preso por crimes revelados na Operação Lava-Jato. A investigação teve desdobramentos na América Latina e atingiu dois ex-presidentes peruanos. Um está na na cadeia e o outro fugiu para os Estados Unidos.
A economia peruana cresce acima da média da América Latina, mas o país ainda está longe de se livrar de uma marca registrada da região: a desigualdade social. É com essas contradições que a capital, Lima , recebe nesta semana a 8ª Cúpula das Américas. O evento, que vai reunir chefes de estado do continente, entre eles Michel Temer e o americano Donald Trump, tem neste ano um tema indigesto e muito atual: corrupção.
Faz pouco mais de duas semanas que a sede do governo peruano tem novo inquilino. O presidente Pedro Pablo Kucinski, conhecido com PPK e que foi eleito há menos de dois anos, renunciou ao cargo. No lugar dele, assumiu o vice, Martín Vizcarra. O Ministério Público diz que PPK se envolveu em um esquema de corrupção que surgiu no Brasil e foi exportado para a América Latina.
A construtora Odebrecht, que, no fim de 2016, confessou ter pagado US$ 29 milhões de propina no Peru, informou ao Congresso peruano em dezembro passado: US$ 782 mil foram para uma empresa de consultoria de PPK. Era uma versão internacional do esquema descoberto na Lava-Jato: o pagamento de propina em troca de obras superfaturadas.
O Peru foi o primeiro país a fechar um acordo de colaboração investigativa com o Brasil. Nas ruas de Lima, Odebrecht virou sinônimo de corrupção. Em 1 ano e 4 meses de cooperação com as autoridades brasileiras, os procuradores peruanos fizeram nove viagens ao Brasil e trouxeram milhares de documentos e ouviram 12 testemunhas. A última delas, a pouco mais de um mês, fez acusações contra quatro ex-presidentes do Peru.
PPK é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro, mas as ligações da empresa com os poderosos do país começaram bem antes.
Em 2001, depois de 10 anos da ditadura de Alberto Fujimori, Alejandro Toledo foi eleito presidente prometendo exatamente o combate à corrupção, mas entrou na lista dos acusados de corrupção e lavagem de dinheiro, por causa de uma obra faraônica.
Para o Brasil, o Peru tem uma localização estratégica, é um caminho mais curto para o oceano Pacífico. Com a justificativa de abrir essa rota para as exportações e para o desenvolvimento dos dois países, surgiu o maior escândalo dessa história.
A Odebrecht diz que, para construir trechos da rodovia Interoceânica, entre o litoral do Peru e a fronteira com o Brasil, pagou US$ 20 milhões de propina a Alejandro Toledo.
Um juiz peruano decretou a prisão de Toledo, que está foragido nos EUA. O sucessor, Alan Garcia, é investigado por financiamento irregular de campanha. A obra do metrô de Lima, na gestão de Garcia, também está sob suspeita. Depois foi eleito Ollanta Humala, hoje em prisão preventiva, mais um investigado por financiamento irregular de campanha.
Depoimento de Marcelo Odebrecht revela o investimento da empresa naquela campanha: US$ 3 milhões. Todos os ex-presidentes investigados negam as acusações.
Por causa das acusações, Ollanta Humala e a mulher foram presos preventivamente em julho do ano passado. Desde então, o ex-presidente peruano está recluso em uma base da polícia nacional, na periferia de Lima. Como no Brasil, os escândalos de corrupção viraram manchetes diárias na imprensa peruana.
A repórter Romina Mella fundou uma rede de jornalistas investigativos para trocar informações com colegas de outros países. Há quatro meses, o vice-presidente do equador, Jorge Glas, foi condenado a seis anos de prisão. Segundo os promotores equatorianos, Glas recebeu US$ 13,5 milhões de suborno para conceder contratos à Odebrecht, quando era ministro do governo, entre 2010 e 2012.
Já condenados antes por outros crimes, os ex-presidentes do Panamá, Ricardo Martinelli, e de El Salvador, Maurício Funes, também acabaram aparecendo nas delações da Odebrecht.
Em nota, a construtora afirma que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. Que já reconheceu os seus erros e pediu desculpas e que está comprometida a combater a corrupção.
Alejandro Urizar é consultor da Transparência Internacional para Assuntos na América Latina. “Eu acho que os efeitos na luta contra a corrupção vão aparecer no longo prazo, porque apesar da força da Lava-Jato e das investigações no Brasil e em outro países terem começado a dar resultado, falta uma segunda parte que é a mais importante, que é a de promover mudanças estruturais no sistema”, disse.
Na periferia de Lima, dá para imaginar a diferença que o dinheiro desviado para corrupção faria. A CPI da Lava-Jato no Congresso peruano calcula que em 15 anos o custo do superfaturamento ligado à Odebrecht tenha chegado a US$ 3 bilhões.