Trata-se o presente artigo de um emblema jurisprudencial. Pode uma pessoa que após emitir um cheque sem provisão de fundos ser condenada criminalmente? A resposta é sim! E aqui não enfatizaremos a emissão de cheques pré-datados ou pós-datados, uma ficção jurídica que rendeu muitos julgados no Brasil a fora.
Abordaremos dois aspectos para rechear o presente artigo: aspectos do cheque a nível de título crediário e a nível criminal.
Para alicerçar os argumentos à posteriori, observemos o que diz o art. 32 do comando legal, lei 7.353/85, também conhecida como lei do cheque, in verbis:
Art. 32 O cheque é pagável à vista. Considera-se não-estrita qualquer menção em contrário.
A lei é clara e não comporta exceção a qualquer nomenclatura que indique as expressões “pré-datado ou pós-datado”.
Com o tempo o pragmatismo nacional desenvolveu tal nomenclatura que rendeu vários julgados sobre o tema. Por outro prisma, confundiu também alguns operadores do direito. Muitos artigos são confeccionados abordando a não ilicitude criminal na emissão de cheques, porém, tais indagações, refletem a temática do “pré ou pós-datados” aliados à noção de contrato inter partes. Vejamos esse julgado atualíssimo referendando o tal “pré-datado”
EMISSÃO DE CHEQUE SEM FUNDOS – ILÍCITO CIVIL
A emissão de cheques pré-datados sem fundos configura inadimplemento contratual, e não estelionato. O acusado realizou compras e pagou com cheques pré-datados, os quais foram devolvidos por insuficiência de fundos. Segundo a Turma, não existem provas de que o réu agiu com dolo anterior e específico de induzir as vítimas em erro para obter a vantagem ilícita, elemento subjetivo do tipo penal estelionato. Além disso, os cheques dados em pagamento foram pré-datados e o crime de estelionato mediante cheque sem fundos somente se tipifica quando os cheques são emitidos como ordem de pagamento à vista. Para os Julgadores, a fraude deve ter por fim o lucro ilícito e não o mero inadimplemento de obrigação, pois este, mesmo doloso, é ilícito civil. Dessa forma, não há que se falar em ilicitude penal da conduta e sim em ilegalidade civil.
É difícil encontrar material didático sobre o assunto quando a pesquisa é voltada somente para a expressão “cheque à vista” ou “emissão de cheque à vista”, que resultem na não cominação em Estelionato, como bem explicou a abordagem criminal do julgado acima.
O enfoque principal pode ser observado no tocante à responsabilidade criminal. Nesta esteia hermenêutica passamos a observar o conteúdo explicito no Código Penal Brasileiro, haja vista, a lei especial do cheque, ser silente em relação às responsabilidades criminais. A fraude no pagamento por meio de cheque está elencada no inciso VI do artigo 171 do Código Penal. O objeto jurídico é a lesão patrimonial. Dois são os comportamentos alternativamente previstos: o primeiro é o ato de emitir, isto é, colocar em circulação o cheque, não bastando o simples ato de preenchê-lo ou assiná-lo; o segundo é a intenção de frustrar, ou seja, obstar seu pagamento mediante bloqueio de conta, retirada do saldo ou contra-ordem de pagamento. Tal entendimento encontra guarida nos estudos do professor Cezar Roberto Bittencour. Aduz o citado artigo:
Art. 171– Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
VI– emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
Por fim passaremos a mostrar os julgados atuais que identificam com clareza a ilicitude penal na emissão de cheque sem provisão de fundos:
STJ – CONFLITO DE COMPETÊNCIA CC 116295 PR 2011/0055853-2
Data de publicação: 25/06/2013
Ementa:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. COMPETÊNCIA DO FORO DO LOCAL ONDE SE DEU A RECUSA PELO SACADO. SÚMULA 244/STJ E SÚMULA 521/STF. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. O foro competente para processar e julgar o crime de estelionato cometido sob a modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque sem provisão de fundos (art. 171, § 2º, VI, do CP)é o do local da recusa do pagamento pelo sacado (Súmula 244/STJ e Súmula 521/STF). 2. Conflito conhecido para reconhecer a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Ourinhos/SP, o suscitado.
STJ – CONFLITO DE COMPETÊNCIA CC 122646 PE 2012/0102120-2 (STJ)
Data de publicação: 04/12/2012
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ESTELIONATO. EMISSÃO DECHEQUE SEMPROVISÃO DE FUNDOS. INCIDÊNCIA DO ENTENDIMENTO SEDIMENTADO NASSÚMULA N.º 521, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, E N.º 244, DESTA CORTE. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITODA COMARCA DA SÃO BENEDITO/CE. 1. Nos termos da Súmula n.º 521, do Supremo Tribunal Federal, “[o]foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado”. 2. O art. 1.º, inciso III, da Lei n.º 7.357 /85 (lei do cheque), define como sacado o banco ou a instituição financeira que deve pagar a quantia constante da cártula. Prevê o art. 4.º, do mesmo dispositivo, que “[o] emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito.” Infere-se que a provisão de fundos a que se refere a Lei é aquela em poder da agência em que o emitente abriu conta, até porque foi lá onde ocorreu a autorização para emissão dos cheques. 3. Tal entendimento também foi sedimentado no âmbito desta Corte (Súmula n.º 244:”compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos”). 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo deDireito da Comarca da São Benedito/CE. Diante do inadimplemento de contrato locatício, sendo que dois foram devolvidos por contraordem – sustação – e o terceiro por falta de fundos. 3. A alegação de agir atípico, consubstanciada na ausência de dolo, não relevada, primo oculi, demanda inexoravelmente revolvimento de matéria fático-probatória, não condizente com a via angusta do writ, devendo, pois, ser avaliada pelo Juízo a quo por ocasião da prolação da sentença, após a devida e regular instrução criminal, sob o crivo do contraditório. 4. Recurso a que se nega provimento.