O delegado que se tornou fenômeno das redes sociais com a divulgação de vídeos de operações policiais, especialmente aquelas registradas na zona leste da capital, agora trabalhará em um setor burocrático da Polícia Civil chamado “cartas precatórias”, do 23º DP (Perdizes), na zona oeste da capital.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de um ruidoso pedido de afastamento da Polícia Civil de São Paulo, em agosto do ano passado, o delegado Carlos Alberto da Cunha, o Da Cunha, solicitou o retorno à ativa, abrindo mão a mais de um ano e meio de licença sem vencimentos que ainda tinha direito. Voltou, mas ficará longe das ruas.
O delegado que se tornou fenômeno das redes sociais com a divulgação de vídeos de operações policiais, especialmente aquelas registradas na zona leste da capital, agora trabalhará em um setor burocrático da Polícia Civil chamado “cartas precatórias”, do 23º DP (Perdizes), na zona oeste da capital.
O pedido de retorno foi feito pelo delegado em janeiro deste ano e a reintegração confirmada no mês passado. Segundo os colegas, Cunha assumiu a função no distrito nesta quinta (3).
“A polícia está precisando de gente e estou aqui para dar o suor pela polícia. Independente do setor, sabe? As más criações que eu fiz… erraram comigo e eu também errei. Então, elas ficaram para trás. Então, essa história de que eu só trabalho na operação, que eu só sirvo para operação, isso é coisa de estrelinha. Se eu errei assim lá trás, não vou errar mais [sic]”, afirmou ele a seguidores na semana passada.
Em regra, Cunha ajudará a abastecer inquéritos de delegados de outras cidades. Tomará, a pedido desses colegas, o depoimento de pessoas que moram na capital e que interessam para investigações. Nessa função, não deverá participar de operações de rua, muito menos sozinho, como costumava fazer e foi fonte de problemas.
A expectativa de integrantes da cúpula da Segurança Pública paulista é que Cunha fique por pouco tempo nesse cargo, apenas até 31 de março.
Deverá se afastar novamente nessa data para participar das eleições. Ele já manifestou interesse na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, mas os colegas acreditam em um voo mais modesto do policial -deve concorrer a uma vaga para a Câmara ou Assembleia paulista.
O interesse de retornar a ativa seria, para os colegas, financeiro. De acordo com o portal da Transparência do governo de São Paulo, o delegado teve entre janeiro de 2020 a julho de 2021 um salário líquido mensal de R$ 10.470,61, em média -incluindo todos os benefícios, como 13º e adicional de férias.
No auge do canal, Da Cunha chegou a ter mais de 10 milhões de visualizações em um único vídeo e, com ele, o impulso para conquistar mais de 3,6 milhões de seguidores. O delegado chegou fazer lives com mais de 40 mil pessoas simultaneamente -quase um estádio do Corinthians lotado.
Na época desses vídeos de grande audiência, o delegado chegou a pagar mais de R$ 14 mil para manter uma equipe particular de filmagens e divulgação de conteúdo, segundo investigação da Corregedoria. A polícia também apurava uma suposta mesada de R$ 25 mil que recebia de empresário.
Nos últimos meses, porém, parte dos vídeos não ultrapassa a casa de 50 mil visualizações (um deles teve apenas 18 mil). Também passou a ser hostilizado por alguns internautas durante as transmissões ao vivo, algo impensável no começo de 2021.
A queda de audiência se deu após a divulgação de suspeitas de fraudes nas operações compartilhadas por ele. Policiais ouvidos pela Corregedoria e Promotoria afirmaram que algumas dessas prisões gravadas por Cunha eram simulações com o objetivo de promover o canal e ganhar seguidores.
Citaram como exemplo dessas fraudes um caso de 2020 na favela da Nhocuné, zona leste capital, em que a vítima foi devolvida ao sequestrador no cativeiro, estourado momentos antes por outros policiais, para que Cunha aparecesse no vídeo como responsável pela prisão.
Da Cunha admitiu posteriormente a encenação e alegou uma suposta produção de provas para o inquérito policial, numa espécie de reprodução simulada do momento da prisão. Especialistas e colegas da polícia afirmam que isso é algo inexistente no ordenamento jurídico.
Em vídeo divulgado nas redes sociais na última sexta (25), o delegado Da Cunha explicou os motivos de seu retorno à polícia. Ele admitiu que, entre as razões, está a parte financeira.
“Por saudade, por vontade de exercer meu cargo e por necessidades financeiras. Por ter acabado essa guerra [com os superiores], ter virado o ano, graças a Deus. Estou de bem com todo mundo da Polícia Civil, com todos os policiais civis, com todos os policiais militares. Eu sou Polícia Futebol Clube.”
Da Cunha pediu licença de dois anos após ser afastado das ruas e ter a arma e o distintivo tomados pela cúpula da Polícia Civil. Essa punição ocorreu após uma série de procedimentos abertos contra o delegado, por conta de irregularidades cometidas por ele, a maioria relacionada a postagens dele na internet.
Em alguns desses vídeos polêmicos, Cunha chegou a chamar os policiais mais velhos de “raposas” e chegou a atacar diretamente o delegado-geral, Ruy Ferraz Fontes.
No vídeo de retorno à ativa, o delegado youtuber não diz se vai pedir novo afastamento para entrar na disputa eleitoral deste ano. Afirma, porém, que vai continuar com a publicação de vídeos e compartilhar informações da Polícia Civil.
“Só uma coisa que importa. Esse cara aqui é um delegado de polícia de 1º classe da ativa. Não tem essa… Pra quem achava: ‘Ah, o Da Cunha fui expulso da polícia’. Nunca fui expulso da polícia, nunca fui suspenso, nunca tomei uma punição administrativa. Nunca fui punido. Nunca. Voltei por decisão minha, e estou no meu lugar de delegado da ativa”, afirmou.
Embora diga que a briga com os superiores é caso superado, Cunha é alvo de ao menos três processos administrativos na Corregedoria que podem terminar em demissão. Além disso, é alvo de ação na Justiça movida pelo delegado-geral.
A Polícia Civil não quis informar por quais casos o policial está sendo investigado. Só informou que “os procedimentos disciplinares em desfavor do referido policial seguem em curso”.
De acordo com a Polícia Civil, Cunha só poderá pedir nova licença daqui a cinco anos. Isso não interfere, porém, no afastamento para eleições. Segundo a instituição, a “desincompatibilização” para candidatura a cargo eletivo é fundamentada em lei própria, “que estabelece inclusive prazos e condições distintas para o afastamento da função pública, conforme o cargo pretendido”.