Órgão diz que moedas virtuais ‘não podem ser qualificadas como ativos financeiros’, mas ainda avalia possibilidade de compra por meio de fundos no exterior.
A comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula o mercado de capitais no Brasil, decidiu proibir a compra direta de moedas virtuais como o Bitcoin por fundos de investimento regulados e registrados no país.
Em ofício publicado nesta sexta-feira (12), direcionado aos administradores e gestores de fundos, a Superintendência de Relações com Investidores Institucionais da CVM afirma que as criptomoedas “não podem ser qualificadas como ativos financeiros” e que, por isso, sua aquisição direta pelos fundos de investimento não é permitida.
“No Brasil e em outras jurisdições tem se debatido a natureza jurídica e econômica dessas modalidades de investimento e não se chegou a nenhuma conclusão, em especial no mercado e regulação domésticos”, disse o siperintendente Daniel Maeda. “Por essa razão, não é permitida aquisição direta dessas moedas virtuais pelos fundos de investimento regulados”, acrescentou.
A CVM emitiu o documento após receber consultas de diversos participantes do mercado que questionaram o órgão regulador dos mercados financeiros do país sobre investimentos em criptomoedas.
Riscos e projetos em discussão
Por outro, lado a CVM destacou que ainda não há uma conclusão sobre a opção de investimentos indireto em moedas virtuais por meio de fundos no exterior, em locais onde a operação é permitida, mas disse que essas discussões “ainda se encontram em patamar bastante incipiente” e pediu para que agentes interessados em investimentos indiretos em fundos de criptomoedas aguardem definições de autoridades sobre a legalidade de tal operação.
“No entendimento da área técnica é inegável que, em relação a tal investimento, há ainda muitos outros riscos associados a sua própria natureza (como riscos de ordem de segurança cibernética e particulares de custódia), ou mesmo ligados à legalidade futura de sua aquisição ou negociação”, destacou.
A CVM cita ainda o projeto de lei 2.303/2015 que, se aprovado “pode vir a impedir, restringir ou mesmo criminalizar a negociação de tais modalidades de investimento”.
O valor de um bitcoin, a maior e mais conhecida criptomoeda, subiu em meados de dezembro para quase US$ 20 mil, então caiu para menos de US$ 12 mil no fim de dezembro. Nesta sexta, a moeda era negociada em alta, em torno de US$ 13,9 mil.
A regulamentação do mercado de criptomoedas é tema polêmico, que enfrenta resistência de muitos investidores e entusistas desse tipo de investimento, uma vez que não existe uma instituição centralizadora, como governo ou banco, controlando a sua emissão e utilização.
Para o advogado e analista de mercado de capitais, Bruno Ramos de Sousa, a posição da CVM gera um alerta para os investimentos via fundos indiretos e “para que o mercado espere antes de por dinheiro em novas iniciativas em criptomoedas em geral”. “Esse é o tema mais desafiador para o futuro do sistema financeiro global”, avalia.
Bitcoin no mundo
Na véspera, o governo da Coreia do Sul informou que planeja proibir o comércio de criptomoedas, o que levou os preços do bitcoin a despencarem e gerou protestos de investidores sul-coreanos.
Já na quarta-feira (10), o bilionário investidor norte-americano Warren Buffett, afirmou que nunca investirá em criptomoedas, afirmando que tem “quase que certeza que as moedas virtuais terão um fim ruim”.
Enquanto isso, no início da semana, o banco central de Israel afirmou quenão reconhece criptomoeadas como moedas reais e que é difícil elaborar regulamentos para monitorar os riscos dessa atividade para os bancos do país e seus clientes. Na avaliação do BC israelense, as moedas digitais deveriam ser consideradas como ativo financeiro, não como moedas.
Na semana passada, a contraparte norte-americana da CVM, a Securities and Exchange Commission (SEC), fez um alerta ao afirmar que os investidores têm que ter cautela com criptomoedas e que muitos promotores de ofertas iniciais de moedas (ICOs, na sigla em inglês) e outros investimentos em moedas digitais não seguem as leis federais e estaduais de valores mobiliários.
O próprio presidente do Banco Central do Brasil, Ilan Goldfajn, fez em meados de dezembro alerta sobre o risco de ocorrência de bolha no mercado de moedas digitais, classificando-as como “pirâmide” e passíveis de serem usadas em crimes.
Íntegra do ofício da CVM
“Fazemos referência aos comunicados realizados pela CVM em 11/10/2017 e 16/11/2017, relacionados às operações de Initial Coin Offerings (“ICO”), e a consultas, efetuadas por diversos participantes de mercado, acerca de possibilidade de investimento, pelos fundos de investimento regulados pela Instrução CVM nº 555/14, nas atualmente denominadas “criptomoedas”.
Como sabido, tanto no Brasil quanto em outras jurisdições ainda tem se discutido a natureza jurídica e econômica dessas modalidades de investimento, sem que se tenha, em especial no mercado e regulação domésticos, se chegado a uma conclusão sobre tal conceituação.
Outras consultas também têm chegado à CVM com a indagação quanto à possibilidade de que sejam constituídos fundos de investimento no Brasil com o propósito específico de investir em outros veículos, constituídos em jurisdições onde eles sejam admitidos e regulamentados, e que por sua vez tenham por estratégia o investimento em criptomoedas. Ou, ainda, em derivativos admitidos à negociação em ambientes regulamentados de outras jurisdições.
Entretanto, não custa repisar, mais uma vez, que as discussões existentes sobre o investimento em criptomoedas, seja diretamente pelos fundos ou de outras formas, ainda se encontram em patamar bastante incipiente, e convivem, inclusive, com Projeto de Lei em curso, de nº 2.303/2015, que pode vir a impedir, restringir ou mesmo criminalizar a negociação de tais modalidades de investimento.
Assim, no entendimento da área técnica é inegável que, em relação a tal investimento, há ainda muitos outros riscos associados a sua própria natureza (como riscos de ordem de segurança cibernética e particulares de custódia), ou mesmo ligados à legalidade futura de sua aquisição ou negociação.
Dessa forma, esta Superintendência informa que todas essas variáveis vêm sendo levadas em consideração na avaliação da possibilidade de constituição e estruturação do investimento indireto em criptomoedas, sem que se tenha chegado, ainda, a uma conclusão a respeito dessa possibilidade.
Por fim, diante dessas circunstâncias, julgamos conveniente que os administradores e gestores de fundos de investimento aguardem manifestação posterior e mais conclusiva desta superintendência sobre o tema para que estruturem o investimento indireto em criptomoedas conforme descrito, ou mesmo em outras formas alternativas que busquem essa natureza de exposição a risco”.