Uma reportagem publicada no Business Insider trouxe uma previsão nada animadora para os chocólatras: o chocolate pode acabar (ou ter grande parte de sua produção comprometida) em menos de 40 anos.
Não é sensacionalismo. Um artigo na National Oceanic and Atmospheric Administration mostrou que o aquecimento global está afetando as plantações de cacau no Oeste africano, justamente onde se concentra a maior produção mundial do cacau, matéria-prima do nosso querido chocolate.
As mudanças climáticas podem aumentar enchentes, piorar incêndios florestais, promover a propagação de doenças transmitidas por insetos, destruir recifes, acabar com centenas de espécies, aumentar a temperatura, derreter geleiras. Mas é possível comprometer o nosso chocolate? Provavelmente sim.
Calma, seria exagero imaginar um mundo sem chocolate. Mas a questão é mais delicada do que isso: como a produção do cacau é dependente de poucos países da África, o chocolate pode, sim, se tornar um produto escasso — e, como a lei da oferta e demanda não falha, seu preço poderia ir às alturas, transformando esse alimento tão comum hoje no mundo em uma “iguaria de luxo”.
Para entender melhor a preocupação de cientistas e de grandes fabricantes de chocolate, é preciso compreender como é a produção do cacau.
As árvores de cacau não são fáceis de serem cultivadas. Os cacaueiros só prosperam em condições específicas, incluindo temperaturas uniformes, alta umidade, chuva abundante, solo rico em nitrogênio e proteção contra o vento. Resumindo, eles só crescem e dão frutos em florestas tropicais, como as encontradas na América do Sul, como nossa Amazônia, e América Central.
Porém, a maior parte da produção do cacau não vem dessas regiões — naturais e originais do cacau, mas sim da África. Os principais produtores mundiais são Costa do Marfim (responsável por 45% de todo o cacau) e Gana (20%). O Oeste africano produz 75,8% de todo o cacau do mundo.
O Brasil está apenas na 7ª posição do ranking, com apenas 4% da produção mundial, e incapaz de sustentar o próprio mercado interno. Na nossa frente, estão países como Indonésia, Equador, Camarões e Nigéria.
O problema é que as mudanças climáticas estão impactando diretamente a produção nesses países líderes. Em 2013, foram publicados estudos no Painel Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability que indicam que, se o aquecimento global continuar do jeito que está, Costa do Marfim e Gana podem ter um aumento de temperatura de até 2,1º C até 2050 — o que tornaria aquele ambiente impróprio para o cultivo da planta.
E não é só o aumento da temperatura que pode atrapalhar o crescimento dessas plantas. O perigo maior, segundo o National Oceanic and Atmospheric Administration, é a diminuição da umidade. As projeções do aquecimento para a região até 2050 provavelmente não serão acompanhadas de um aumento da umidade. Ou seja, como temperaturas mais altas sugam mais água do solo, do ar e das plantas, é improvável que as chuvas aumentem o suficiente para compensar a perda da umidade.
O aumento da temperatura pode empurrar as áreas de cultivo de cacau para as montanhas, onde as temperaturas seriam mais amenas e os níveis de umidade, mais elevados. Porém, muitos desses terrenos montanhosos são reservas florestais, onde o cultivo é proibido. “Esses países terão de fazer uma escolha difícil: permanecer com a produção para atender a demanda global ou preservar a mata nativa da região”, destacou o artigo.
“Estas mudanças climáticas devem ocorrer em 40 anos, ou seja, há tempo de adaptação”, pondera o pesquisador Peter Läderach, que liderou o estudo Predicting the future climatic suitability for cocoa farming of the world’s leading producer countries, Ghana and Côte d’Ivoire (“Prevendo o futuro climático sustentável para o cultivo do cacau nos países líderes em produção, Gana e Costa do Marfim”, em tradução livre).
Outro problema indicado por um artigo publicado pela revista Forbes é a infestação de fungos nas plantações. Os cacaueiros estão sendo vítimas de epidemias de fungos e outras pragas.
E esta ameaça causada por fungos não é nova. Lá em 2010, a Scientific American lembrou como a propagação de alguns fungos destruiu essencialmente cacaueiros na América Central, um dos seus habitats naturais originais. Hoje, os cientistas estão preocupados com a possibilidade de essas doenças fúngicas avançarem para outras partes do mundo, principalmente nos dois países líderes absolutos em produção do cacau.
As esperanças do cacau estão no futuro
De olho neste futuro nada animador, companhias globais de chocolate, como a Mars, dona das marcas Snickers e Twix, está investindo forte na ciência para reverter esse quadro. Em setembro de 2017, a empresa prometeu investir US$ 1 bilhão na sua campanha “Sustainability in a Generation”, que visa a reduzir em até 60% a emissão de carbono na cadeia produtiva da empresa e suprimentos até 2050.
Outra estratégia é fornecer aos produtores de cacau sementes modificadas ou criadas seletivamente para resistir à seca e altas temperaturas. Instituições como UC Berkeley pesquisam o uso do CRISPR (espécie de ferramente de edição de DNA) para criar plantas de cacau mais resistentes. Mas tudo ainda é muito novo.
Além disso, um método brasileiro de cultivo de cacau joga luz às alternativas mais naturais para a plantação de cacau. A chamada técnica “cabruca” envolve a retenção ou até mesmo a replantação de árvores de floresta tropical, que fornecem sombra e umidade às árvores de cacau.
“Cacau-cabruca é um termo regional empregado para caracterizar uma forma de plantio de cacauais utilizada pelos colonizadores da região sudeste da Bahia”, explica o site da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Essa forma de plantio se tornou um modelo agrícola mundial e altamente eficiente, pois, “além de gerar recursos financeiros, conservou fragmentos da floresta tropical primária”.
Produção de cacau no Brasil
É impossível falar sobre a sustentabilidade do cacau sem se referir ao Brasil, sétimo maior produtor de cacau no mundo e um dos países de origem da planta. “O chocolate não corre perigo de acabar no Brasil”, tranquilizou o diretor executivo da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), Eduardo Bastos. “Nós temos uma vantagem comparativa, já que o Brasil é o centro de origem do cacau.”
Bastos admite que a produção do cacau está mesmo em apuros no mundo. “Mais de 70% da produção está no Oeste africano, mas o cacau não é nativo de lá. É preciso desmatar grandes áreas para seu cultivo, e o produtor acaba dependendo do bom humor do tempo. Vemos um grande problema de safra na África, por falta de chuvas”, explica.
Porém, ele ressalta que o panorama brasileiro é mais animador. Apesar de a produção nacional ainda não dar conta sequer do consumo interno (20% do que consumimos é cacau importado), o governo e as associações dos produtores articulam investimentos em pesquisa e tecnologia para melhorar e aumentar a produção. Hoje, ela se concentra no Pará e na Bahia, mas o plano é levar o cacau também para outras regiões do Brasil. Para o País ser autossuficiente, é preciso produzir cerca de 230 mil toneladas por ano.
“Nós já batemos 229 mil toneladas em 2015, mas mudanças climáticas também tiveram impacto no País”, disse o diretor executivo da AIPC. A seca que assolou o País três anos atrás, por exemplo, despencou a colheita do cacau nos últimos dois anos.
Em 2016, o Brasil produziu cerca de 152 mil toneladas do produto e registrou 162 mil toneladas em 2017, de acordo com cálculos da AIPC. Mas, segundo Bastos, o cenário no Brasil é muito promissor.
“O plano é dobrar a produção, para justamente não ficar dependente da África e das mudanças climáticas. A proposta é aumentar para 400 mil toneladas em 10 anos”.
Que assim seja.
Fonte: huffpostbrasil