Empresas como Samsung Electronics, Volkswagen e uma fornecedora da Nike e da Adidas já sentem os efeitos dos lockdowns na produção
Com a disseminação da covid-19 pela China, grandes empresas estão fechando fábricas, portos estão lotados e falta mão de obra, com as autoridades impondo lockdowns nas cidades e ordenando testes em massa em uma escala que não se via há quase dois anos.
A perspectiva de seguidas paralisações na segunda maior economia do mundo, que tem uma estratégia de tolerância zero no combate à pandemia, está intensificando os temores de que essas rupturas irão afetar a economia mundial. Empresas como Samsung Electronics, Volkswagen e uma fornecedora da Nike e da Adidas já sentem os efeitos na produção.
Desde o fim de dezembro, as autoridades tomaram medidas para combater surtos em várias cidades chinesas, como Tianjin no leste do país, Xi’an na região central, e o centro de tecnologia de Shenzhen, no sul. Ningbo-Zhoushan, que fica ao sul de Tianjin e é o terceiro terminal de contêineres mais movimentado do mundo, pode ver uma piora nos atrasos acumulados por causa das restrições a operações de transporte e armazenagem de cargas impostas após mais de duas dúzias de casos de covid-19 confirmados nos arredores.
As autoridades chinesas têm usado a mesma estratégia que foi bem-sucedida em reduzir os surtos iniciais da pandemia e causou paradas intermitentes nas cadeias de produção e fornecimento.
Economistas alertam que desta vez as consequências podem ser mais graves, em razão da natureza altamente contagiosa da variante ômicron, detectada em algumas áreas da China. A cepa atinge o país no momento em que Pequim tenta conter surtos prévios a Olímpiada de Inverno, com início marcado para 4 de fevereiro.
“O risco da ômicron é o de que podemos dar um grande passo para trás em termos de gargalos nas cadeias de fornecimento”, disse Frederic Neumann, chefe de Pesquisa de Economia Asiática do HSBC. “Desta vez a situação pode ser ainda mais desafiadora do que no ano passado, dado o papel cada vez mais significativo da China no fornecimento mundial.”
Vários economistas disseram que a China pode intensificar a política de confinamento e alguns veem o risco um lockdown nacional, algo que não ocorre desde abril de 2020. Ontem, o Goldman Sachs rebaixou a previsão de crescimento da China em 2022 para 4,3%, de 4,8%, citando os recentes fatos relacionados à covid-19.
A Toyota informou que as operações em sua fábrica em Tianjin foram paralisadas ontem e anteontem porque testes em massa foram impostos para toda a cidade. Cerca de 14 milhões de moradores de Tianjin, um centro industrial que responde por 1,7% das exportações chinesas, tiveram de fazer o teste após a detecção de dois casos de ômicron.
O executivo-chefe da Volkswagen na China, Stephan Wöllenstein, também informou ontem o fechamento de uma fábrica da empresa na cidade. A montadora já tinha fechado uma fábrica em Ningbo, após um breve surto.
“Temos monitorado cuidadosamente o que ocorre lá porque a ômicron tem o potencial de alterar significativamente o cenário na China em comparação com 2020 e 2021”, afirmou Guillaume Faury, executivo-chefe da Airbus na segunda-feira. Ele disse que até agora não houve interrupções de fornecimento no país, nem mesmo em Tianjin, onde a empresa opera uma linha de montagem final de aeronaves, como o A320.
Desde o início da pandemia, consumidores e varejistas ocidentais tornaram-se mais dependentes da China para produtos que vão de bicicletas a notebooks, e o superávit comercial da China deve atingir um recorde em 2021, em termos de valor. Segundo Neumann, o risco é que “nos próximos meses soframos a ‘maior de todas as rupturas na cadeia de fornecimento’: uma paralisação das fábricas da Ásia pela ômicron”.
Dois dos maiores fabricantes de chips do mundo passam por problemas em Xi’an, onde o governo local impôs rígidas restrições sanitárias a partir de 23 de dezembro.
A Samsung tem tido dificuldades para conseguir funcionários porque as restrições impostas na cidade impedem que os moradores saiam de casa, segundo fontes a par do assunto. Elas disseram que isso pode causar um ligeiro declínio da produção no curto prazo.
A americana Micron Technology informou no fim do ano que o lockdown em Xi’an tinha reduzido a força de trabalho em sua fábrica local, prejudicando a produção de seus chips de memória DRAM.
Em Ningbo, o Shenzhou International Group, fornecedor de marcas esportivas mundiais como Nike, Adidas e Uniqlo, da Fast Retailing, relatou que algumas unidades de produção foram fechadas em 3 de janeiro, após dez casos no distrito de Beilun. Segundo a empresa, parte das operações foi retomada na segunda-feira.
Funcionários da Foxconn, fornecedora da Apple, e da Huawei estavam entre os trabalhadores que tiveram de fazer testes de covid-19 no sul de Shenzhen.
Executivos e analistas do setor temem que paralisações adicionais possam afetar fabricantes e portos da China à medida que novos surtos aconteçam.
Nesta semana toda a população de mais de 5 milhões da cidade de Anyang, região central da China, entrou em lockdown após a confirmação de mais de 80 casos locais, inclusive dois da ômicron. Em Zhengzhou, capital da província de Henan, onde muitos dos iPhones do mundo são montados pela Foxconn, o governo local ordenou a testagem de todos os moradores.
Economistas avaliam que se a variante ômicron se espalhar pela Ásia de forma mais ampla depois de varrer os EUA e a Europa, isso pode aumentar a inflação e até levar bancos centrais como o americano Federal Reserve a acelerarem o aperto da política monetária.
Na China, crescem os riscos econômicos de manter as restrições rígidas relacionadas à covid-19.
Um atraso de uma semana no comércio essencial no porto de Ningbo, cerca de 1.100 km ao sul de Tianjin, pode afetar operações estimadas em US$ 4 bilhões, incluindo a exportação de US$ 236 milhões em placas de circuitos integrados e de US$ 125 milhões em roupas, segundo estudo do Russell Group, empresa de consultoria sobre cadeias de fornecimento. Um terminal de contêineres no porto de Ningbo foi fechado por duas semanas em agosto, depois que um único caso foi detectado.
Em Nantong, cidade na província de Jiangsu, no leste da China, Mei Wenlong, proprietário de uma fábrica de equipamentos elétricos, disse que as paralisações relativas à ômicron podem começar a afetar para seus fornecedores nas próximas semanas. “Não há muito que você possa fazer. Vamos aprender a lidar com a situação quando isso acontecer”, disse Mei. (Colaborou Yoko Kubota)
Fonte:Valor Econômico