A biodiversidade brasileira pode ajudar e muito a saúde, como indicam estudos iniciais sobre o combate ao câncer com uma molécula presente no veneno do marimbondo Chartergellus communis, que vive no cerrado. A pesquisa pioneira contou com a participação de Márcia Mortari, pesquisadora e professora da UnB (Universidade de Brasília).
Inclusive, a história pessoal da professora da UnB, que teve câncer de mama, foi um dos fatores que a levou a estudar o potencial antitumoral do veneno do marimbondo. Ao lado de Mortari, os estudos que poderão melhorar o tratamento de tumores contam com o apoio de outras cientistas da universidade brasileira e da Universidade de Aveiro, em Portugal.
Nos testes de laboratório (in vitro), o grupo internacional de pesquisa já observou que o peptídeo Chartergellus-CP1, presente no veneno da vespa do cerrado, pode combater células cancerígenas tanto do câncer de mama quanto do melanoma (tipo mais agressivo do câncer de pele). Os estudos clínicos, com humanos, não foram iniciados.
Veneno de marimbondo
Os venenos de insetos e animais peçonhentos são de grande interesse para a medicina devido aos seus princípios ativos. No caso do veneno do marimbondo, há uma diversidade de compostos com atividade antimicrobiana, anti-inflamatória e antitumoral.
Diferente de alguns insetos, esta espécie de vespa era, até então, pouco estudada pela ciência, o que destaca a importância de preservar a flora e fauna brasileira. Afinal, os marimbondos Chartergellus communis vivem no cerrado, um dos biomas mais devastados do país.
Potencial contra câncer de mama
No primeiro estudo publicado pelas cientistas brasileiras e portuguesas, os testes de laboratório envolveram o uso do peptídeo chartergellus-CP1 contra duas linhagens de células do câncer de mama: o HR+ e o triplo-negativo. Este último é o mais grave, já que as alternativas de tratamentos oncológicos disponíveis são menores.
“E este trabalho mostrou pela primeira vez que o peptídeo isolado Chartergellus-CP1, do veneno da vespa C. communis, tem atividade citotóxica contra duas linhagens de células de câncer de mama”, afirma o estudo, publicado na revista Toxicology, em 2022.
Aposta contra melanoma
Em outro estudo, o grupo de pesquisadoras, incluindo a professora da UnB, analisou o uso da molécula do veneno do marimbondo contra células de um tipo de câncer de pele conhecido como melanoma.
Novamente, “foi observado um potencial antitumoral seletivo do peptídeo Chartergellus-CP1”, segundo artigo publicado na revista Biochimie, em janeiro deste ano. Dessa forma, a molécula “pode representar uma nova estratégia terapêutica no tratamento do melanoma”, afirmam as autoras.
Agora, “mais estudos são necessários para aprofundar seus efeitos em modelos de células não tumorais e seu potencial antitumoral para outros tipos de câncer”, afirma o grupo. Em breve, novas rodadas de testes devem começar, mas ainda há um longo caminho até a pesquisa se transformar em um remédio acessível.
Vale observar que outros estudos com o veneno de vespas também são feitos no Brasil. Por exemplo, pesquisadores da USP e da UnB investigam os efeitos do peptídeo Occidentalin-1202 no tratamento da epilepsia. Entretanto, a molécula é encontrada em outra espécie, o marimbondo-estrela (Polybia occidentalis). Curiosamente, a professora da UnB Mortari também é uma das autoras deste outro estudo.