Prestígio do presidente da República está mais abalado após críticas também ao presidente da Anvisa
Brasília – Os recentes atritos do presidente Jair Bolsonaro (PL) com o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contra-almirante Antônio Barra Torres, abalaram ainda mais o prestígio do chefe do governo junto à cúpula das Forças Armadas. Oficiais ouvidos pelo Correio Braziliense/Estado de Minas, em caráter reservado, revelaram os bastidores desses e de outros episódios sobre a relação entre o titular do Planalto e os militares.
Capitão reformado do Exército, Bolsonaro entrou em 2022 protagonizando conflitos com militares de alto coturno. Primeiro, se irritou com uma diretriz do Comando do Exército que orienta a tropa a se vacinar contra a COVID-19 e a não propagar informações falsas sobre vacinas. Porém, o Alto Comando da Força marcou posição e manteve a norma em vigor.
Em outro caso, o diretor-presidente da Anvisa divulgou uma nota, apresentando-se como contra-almirante, para desafiar Bolsonaro a comprovar a afirmação de que algo “está por trás” da decisão da agência de autorizar a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra o novo coronavírus.
Segundo um oficial militar, esses dois episódios são os mais recentes de uma série de acontecimentos que contribuíram para o desgaste da imagem do presidente junto à cúpula das Forças Armadas. Um dos fatos que mais trouxeram incômodo aos fardados, segundo ele, ocorreu em 19 de abril de 2020. Naquele dia, Bolsonaro discursou em uma manifestação que pregava, em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, uma intervenção militar com o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso. O ato também protestava contra as medidas de distanciamento social.
“Aquilo ali foi bem emblemático. Depois da manifestação, houve um cuidado muito grande para evitar que aquilo acontecesse novamente. Evitar que aconteça, mas sem deixar transparecer ao presidente aquilo que está sendo feito para evitar isso”, relatou o militar.
Segundo ele, a solução encontrada foi transformar os arredores do QG do Exército em área de lazer nos fins de semana. “Se você passar pelo Setor Militar Urbano hoje, em todos os fins de semana, a faixa ao lado da concha fica toda isolada com cones. Supostamente, aquilo ali é para o pessoal utilizar como área de lazer, andar de bicicleta, e o pessoal passou, realmente, a utilizar. Mas foi uma vacinazinha para evitar que alguém possa fazer manifestação ali”, relatou o oficial.
Um outro episódio ocorreu também em 2020. Soldados que faziam a guarda em frente ao QG do Exército, em Brasília, solicitaram que manifestantes fossem protestar em um outro ponto do Setor Militar Urbano, em razão da segurança. “E aí alguém gravou, filmou e enviou para o presidente reclamando. Então, criou-se um clima muito ruim, e o presidente chegou a ligar para o comandante do Exército para tirar satisfação”, relata a fonte.
Um outro oficial, por sua vez, ressaltou que os militares em geral votaram em Bolsonaro por causa das pautas conservadoras, como a defesa da pátria e da família, mas que nunca houve um alinhamento institucional com o governo. Ao longo dos últimos três anos, segundo ele, a maior parte do generalato passou a se incomodar com as sucessivas tentativas do presidente de interferir politicamente nas Forças Armadas.
“No auge da crise entre o presidente e o Supremo, aquela insistência do presidente de invocar o artigo 142 da Constituição, em uma interpretação equivocada de que as Forças Armadas são um poder moderador, aquilo foi muito tenso e gerou grande insatisfação entre os oficiais-generais”, relatou o militar. “Quando houve aquela ameaça de invasão ao STF, a coisa ficou tensa, as tropas ficaram de prontidão para atuar caso fosse necessário”, lembra o oficial.
Sobre a pandemia da COVD-19, o militar afirma que a crise sanitária evidenciou ainda mais os desencontros entre o presidente e as Forças Armadas. “Houve várias situações em que ficou demonstrado esse descolamento, e a pandemia começou a escancarar isso. O totozinho de cotovelo do comandante do Exército, aquilo ali já demonstrava”, disse o oficial, lembrando do momento em que o então general Pujol cumprimentou o presidente com um toque de cotovelo.
NOVA CPI?
Menos de três meses após conclusão da CPI da COVID no Senado, o Brasil pode voltar a acompanhar nova Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a pandemia. O senador Randolfe Rodrigues (Sustentabilidade-AP) anunciou pelo Twitter que protocolou um requerimento pedindo a instalação de uma nova investigação. Agora, segundo o parlamentar, a comissão investigaria as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia a partir de novembro de 2021. Entre os pontos levantados por ele estão o atraso e a insuficiência na vacinação infantil, a insuficiência de provisão de doses de reforço em 2022 e os ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) aos técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que aprovaram a vacinação infantil.
Três perguntas para…
Alcides Costa Vaz – professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (Abed)
Os recentes atritos do presidente Bolsonaro com o comandante do Exército e o chefe da Anvisa são fatos isolados?
Há uma mudança de posicionamento diante das posições do presidente em relação à questão da pandemia. São sinais de uma mudança de perspectivas dos militares em relação às visões e posições do presidente, mas sempre de forma muito discreta. A diretriz do comandante do Exército sobre a vacinação da tropa, que repercutiu muito, não era, de fato, uma manifestação de caráter político, foi um ato administrativo, burocrático. Mas claro que, nesse contexto, em que são percebidas algumas dificuldades, alguns desgastes também, da imagem do presidente no meio militar, não chega a ser uma crise, mas sinais de um descontentamento, um certo desconforto e uma tomada de posição.
Como o senhor avalia a reação do diretor-presidente da Anvisa?
No caso da Anvisa, eu acho que, aí, sim, destoa. A nota do presidente da Anvisa foi muito incisiva. Ele deixou clara sua condição militar, ao se apresentar, na nota, como um contra-almirante. Aí, eu acho que, de fato, transmite, de uma forma mais clara, essa preocupação de também marcar posições. O somatório de todos esses fatos é uma expressão de desconforto crescente, de uma posição de um relativo distanciamento.
Então, a cúpula militar decidiu se afastar do presidente?
De um ano e meio pra cá, os militares passaram a ficar ainda mais silentes, cautelosos, mais reservados. Eu acho que isso já foi um balanço, e continua sendo, dos desgastes, das dificuldades, da erosão da credibilidade da imagem das Forças Armadas. Eu acho que é uma atitude de autopreservação.
Fonte: Correio Braziliense