Mistura de inflação alta com aumento da pobreza vem tirando a carne bovina do cardápio de um número cada vez maior de famílias no Brasil.
A mistura de inflação alta com aumento da pobreza vem tirando a carne bovina do cardápio de um número cada vez maior de famílias no Brasil.
O consumo vem caindo há três anos consecutivos no país. Em 2020, recuou expressivos 10% em relação ao anterior. Para 2021, a estimativa é de queda de 2%, um consumo de 5,24 milhões de toneladas de carne bovina, o menor valor em 12 anos.
Quando se considera o consumo por pessoa, o resultado é ainda mais modesto: 24,5 kg por ano, número próximo do registrado em 2005, 16 anos atrás.
A estimativa foi calculada pelo especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA Cesar de Castro Alves a pedido da BBC News Brasil e se baseia no chamado consumo aparente, ou seja, a produção de carne bovina inspecionada, descontadas as exportações e somadas as importações.
Os dados usados por Castro Alves consideram uma expectativa de produção de carne bovina de 7,4 milhões de toneladas em equivalente carcaça (TECs), de exportações de 2,26 milhões de TECs e de importações de 73 mil TECs.
Preços maiores e renda menor
Os dois lados da equação do consumo – o preço dos produtos e a renda das famílias – se deterioraram em 2021.
Do lado dos preços, as carnes assistiram a um aumento forte, especialmente no primeiro semestre. Em junho, considerando o acumulado em 12 meses, o brasileiro pagava quase 40% mais (38,17%) pelo produto do que um ano antes.
Os preços começaram a ceder em setembro, mas continuam em patamar elevado: nos 12 meses encerrados em novembro, a inflação das carnes estava em 10,81%, superior ao índice calculado para todo o grupo alimentos e bebidas, de 8,9%.
Mesmo com a redução em alguns supermercados, o produto continua inacessível para muitas famílias, especialmente se considerado que a renda dos brasileiros vem encolhendo.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostram que a renda média real (ou seja, descontada a inflação) de quem está empregado vem diminuindo consecutivamente há 12 meses, desde outubro de 2020.
Esse desempenho está intimamente relacionado ao fenômeno da redução do desemprego, que vem sendo observado desde maio deste ano: as vagas geradas pela economia brasileira são mais precárias e pagam baixos salários, o que explica a redução da renda média por trabalhador.
A taxa de desemprego, apesar de estar recuando, se mantém em patamar bastante elevado – 12,6% da força de trabalho no terceiro trimestre de 2021, ou 13,5 milhões de desempregados.
Por que a carne ficou tão cara
Pelo menos quatro fatores explicam porque o preço das carnes subiu tanto em 2021: o dólar alto, a seca que afetou especialmente a região Centro-Sul do país, o aumento dos preços do milho e da soja e uma menor disponibilidade de bois (neste caso, uma questão estrutural ligada à bovinocultura).
O aumento do dólar e a seca ajudam a explicar a alta expressiva na cotação de commodities como o milho e a soja. Como estas são matérias-primas para a produção de ração para bovinos, aves e suínos, alimentar os animais ficou mais caro.
No caso dos bovinos, a seca afetou ainda os custos de produção em outra frente: à medida que reduziu as áreas de pasto, obrigou muitos produtores a confinar o gado, elevando ainda mais as despesas com ração.
Toda essa questão conjuntural se deu em um momento em que o preço da carne já estava pressionado por uma questão estrutural do setor. Há meses o preço do boi vinha batendo recordes porque há uma menor disponibilidade de animais para o abate — reflexo do próprio ciclo da bovinocultura, que compreende os períodos de reprodução e reposição dos animais.
Isso porque a cadeia de produção de carne bovina tem uma série de particularidades. Não é possível aumentar e diminuir a quantidade de bois no pasto tempestivamente, a depender do nível de demanda.
Fonte: G1