Por Rayllane Rosa Nogueira, do núcleo de Direito Político e Eleitoral do IEAD
As eleições presidenciais de 2022 já se aproximam, e com elas surgem muitos questionamentos quanto à segurança das urnas eletrônicas e sobre a necessidade de criação de um comprovante do voto (voto impresso).
O então presidente Jair Bolsonaro, trouxe o tema à pauta novamente, agitando os bastidores em Brasília, com uma eventual aprovação da proposta de emenda à Constituição 135/2019, que tramita no Congresso Nacional, de autoria da Deputada Bia Kicis (PSL-DF). Se aprovada, a PEC reinstitui o comprovante do voto em papel, um grande desejo dos apoiadores do atual Presidente.
Para melhor elucidarmos a questão do voto impresso, precisamos compreender o conceito.
O voto impresso foi instituído pela Lei nº 13.165/2015, com previsão de implantação a partir das eleições de 2018, no entanto, em 06 de julho de 2018, o Supremo Tribunal Federal, deferiu a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), suspendendo o dispositivo que instituiu a necessidade de impressão do voto eletrônico, em 14/09/2020, a Suprema Corte confirmou a medida liminar deferida anteriormente, declarando inconstitucional a impressão do voto eletrônico, por colocar em risco o sigilo e a liberdade de voto.
Com o voto impresso, o eleitor digitaria a legenda, e após, a “urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado” (Art. 59 da lei nº 13.165/2015). O voto só seria concluído caso o eleitor confirmasse que os dados digitados coincidem com o voto impresso.
A segurança da urna eletrônica
A primeira eleição informatizada foi realizada em 1996, foram utilizadas 70 mil urnas eletrônicas, na ocasião foram coletados os votos de mais de 32 milhões de brasileiros.
Com o passar dos anos a Justiça Eleitoral vem aprimorando o funcionamento das urnas eletrônicas, o sistema conta com o que há de mais moderno em segurança da informação, garantindo a autenticidade, integridade e o sigilo, para que sejam realizadas eleições limpas, as urnas possuem um sistema acessível a todos, deficientes visuais, auditivos e analfabetos, conseguem registrar o voto sem a interferência humana, um sistema que vai de encontro com a soberania popular e garante o sigilo ao voto.
Em 2009 e 2012, foram realizados testes públicos de segurança, o sistema foi posto à prova e restou comprovado que nenhuma tentativa de adulteração logrou êxito.
Já em 2019, grupos de investigadores da Polícia Federal, realizaram 13 planos de ataques ao sistema, apenas dois ataques foram bem sucedidos, importante frisar que em nenhuma das tentativas de ataques, não foi possível alterar dados dos candidatos e eleitores, em 2020, o grupo de peritos retornou ao TSE, para testar as melhorias implementadas, os peritos não conseguiram quebrar as principais barreiras de segurança implantadas pelo TSE, confirmando mais uma vez a segurança e a credibilidade da urna eletrônica.
A auditoria das urnas pode ser realizada por candidatos, coligações, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, dentre outras entidades, inclusive o próprio eleitor pode participar da auditoria, como é o caso da audiência pública, realizada na véspera das eleições, onde são sorteadas urnas para verificação, as urnas sorteadas são conduzidas ao TRE e substituída por outras, com o mesmo procedimento das originais.
Então, é realizada uma votação, primeiro registrado em uma cédula de papel e, após, é registrado na urna, ao final do dia realiza-se a apuração das cédulas comparando com o resultado do BU.
Voto impresso: um enorme retrocesso
Quanto à segurança da urna eletrônica, já está mais que evidenciado que o sistema goza de enorme credibilidade e segurança.
Houve um avanço da nossa democracia ao adotar o sistema de votação eletrônico (urna eletrônica), o novo sistema debelou as inúmeras fraudes existentes durante o período da República Velha, importante frisar que nunca foram constatadas fraudes nas urnas eletrônicas.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 14, assegura que a “A soberania popular deve ser exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei”.
Ao ser estabelecido o voto secreto, os eleitores passaram a ter autonomia na escolha dos candidatos, acabando com submissão ao coronelismo, o famoso “voto de cabresto”, respeitando a liberdade da população no exercício do sufrágio universal, uma conquista extremamente importante.
Mesmo com os inúmeros avanços, ainda é muito comum observar a atuação das milícias e do tráfico, usando de seu poder junto às comunidades, para coagir o eleitor a votar em um determinado candidato, sob a ameaça de que conseguem verificar através do número do título, em quem cada um votou, sabemos que tudo isso não passa de uma falácia, mas, temerosos que seja possível, acabam votando nos candidatos que tem o apoio dos grupos citados.
Com a implantação do voto impresso, esses grupos conseguiriam através de ameaças concretas, causarem um enorme pânico na população, criando o chamado curral eleitoral urbano com um grande domínio dos milicianos e traficantes, gerando um enorme retrocesso quanto às garantias constitucionais.
Outro ponto importante é em relação à judicialização das eleições, para o Ministro Barroso, o voto impresso acabaria gerando uma enorme demanda no judiciário, com candidatos que não obtiveram êxito nas urnas, ingressando no judiciário pedindo a conferência dos votos, buscando inconsistências ou nulidades, onde não existem.
Para a implantação do voto impresso, estima-se um custo de R$ 2,5 bilhões de reais aos cofres públicos no período de dez anos, além de violar princípios importantes como a eficiência administrativa e economicidade.
Com a intervenção humana nas urnas, o processo eleitoral estaria sujeito a fraudes, os deficientes e analfabetos precisariam do apoio de terceiros, o que atinge diretamente o sigilo do voto, ao ser realizada a auditoria da contagem dos votos impressos, muitos seriam os questionamentos se os votos impressos estariam de acordo com a urna, o que poderia ocasionar anulações indevidas e um possível cenário de convocação de novas eleições, gerando uma grande insegurança jurídica na democracia representativa, não se respeitando a vontade do eleitor, que deixou o seu voto registrado na urna eletrônica.
Um sistema integralmente seguro, que já vem sendo utilizado há mais de 20 anos, dispõe de tecnologias avançadas, não há nenhuma evidência concreta de que o sistema tenha sido alvo de fraudes, a urna eletrônica já demonstrou que é o melhor meio de se exercer o sufrágio, sem a interferência humana e com toda a lisura do processo, observando as garantias constitucionais.
Aprovar o voto impresso significaria retroceder anos de conquistas da nossa democracia, com sério risco de violação do voto secreto e a liberdade ao voto. Eleitor ou candidato tem todo o direito e deve questionar se o sistema adotado é seguro, isso faz parte de uma sociedade democrática, o que não se pode, é endossar um discurso sem provas concretas, baseado apenas em suposições, conspirações, discursos inflamados nas redes sociais, que colocam em xeque a democracia brasileira.
O eleitor precisa ter consciência da importância do sufrágio, exercendo o seu direito com liberdade, escolhendo quem melhor o representa, contribuindo sempre com uma sociedade cada vez mais democrática.
Escrito por Rayllane Rosa Nogueira, advogada, atuante no Direito Eleitoral, Cível, Previdenciário e Direito Administrativo no escritório Ezequias Maciel Advocacia. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Eleitoral, Direito Administrativo e Direito Tributário. E-mail para contato: rayllane.rn@hotmail.com. Rayllane está no Instagram como @rayllane_nogueira.
Fonte: JusBrasil