Uso excessivo pode afetar cognição e tarefas básicas do dia a dia dos jovens
Irritabilidade, isolamento, ansiedade e desinteresse em atividades presenciais: esses são alguns dos sinais mais clássicos de que um adolescente pode estar viciado em redes sociais. As características podem até parecer comuns na adolescência, período em que o jovem passa por transformações emocionais e sociais intensas, mas é um grande alerta para os danos que a dependência das plataformas podem trazer para saúde mental e bem-estar.
Para a psicoterapeuta e neurocientista Ana Chaves, é crucial fazer a diferenciação entre o uso normal das redes para uma dependência, uma vez que o uso excessivo pode oferecer perigo para as relações sociais, rotina de sono, memória, rendimento escolar e saúde mental. O problema, segundo Chaves, aparece quando há um claro descontrole no tempo que o adolescente passa online. Ele pode ficar bastante irritado, ansioso e até mesmo agressivo quando o acesso é limitado, o que pode ocorrer por diferentes razões, inclusive por falta de internet ou bateria. “Um ponto importante é quando há o uso secreto, em que ele esconde o uso do dispositivo e as redes sociais da própria família”, ressalta.
“Esses impactos das redes podem causar mudanças multifacetadas que podem interferir tanto na nossa atenção, quanto no nosso autocontrole, tomada de decisão e também comprometer nossas habilidades cognitivas, que são essenciais na fase adulta”, acrescenta a psicóloga Isabela Mota. Ela afirma que o excesso de redes sociais afeta seriamente as habilidades cognitivas, o aprendizado, planejamento, pensamento crítico e provoca insônia, o que deixa o corpo cansado, a memória defasada e as emoções abaladas. Todos esses danos podem refletir na vida adulta.
Alto poder de atração
Com um sistema psicológico de recompensas mentais bem estruturado, as redes sociais se tornam um espaço de conveniência para os adolescentes. Características como notificações constantes, feed com rolagem infinita, likes e comentários e conteúdo visual e emocional personalizados fazem com que as plataformas retenham cada vez mais pessoas, que ficam “presas” ao ciclo de gratificações oferecido pelas redes. “Quando o adolescente interage nas redes sociais, isso vai contribuir para o seu vício. A dopamina, que é um neurotransmissor relacionado ao prazer, reforça essa sensação de recompensa e faz com que esse jovem queira repetir a experiência”, explica Chaves.
Acrescenta-se nesta equação a sensação de fuga da realidade, um atrativo para a idade. “Elas permitem que os adolescentes e as pessoas em geral criem versões ideais de si mesmas sem o peso das responsabilidades do mundo real ou de sustentar isso na realidade”, argumenta Mota.
Onde entram os pais?
Instigar as sensações é uma forma de prender os usuários na expectativa ansiosa do próximo like, mensagem ou notificação. Esse uso abusivo das redes sociais, segundo Chaves, pode causar alterações anatômicas no cérebro, que são similares e relacionadas a outros vícios, como os jogos de azar. Para resolver o problema, a retirada abrupta do telefone é a última opção a ser cogitada. “Os celulares, eles não são apenas ferramentas sociais, eles são portais narrativos, de valores e estímulos que vão moldar a identidade dos nossos filhos. A mediação do adulto com empatia, consciência, nunca foi tão essencial”, alerta a terapeuta.
A indicação de Mota é que limites quanto ao tempo e horário de exposição sejam estabelecidos pelos responsáveis, além do aconselhamento sobre a educação digital. “Buscar apoio de um profissional também é interessante, principalmente se o caso for mais grave, considerar terapia individual ou em grupo”.
A advogada e especialista em Direito Digital no âmbito de proteção de direitos de personalidade de crianças e adolescentes, Alessandra Bulhões, concorda que o papel dos pais começa muito antes do vício ser identificado. “Quando uma criança está exposta ou viciada em algo, é importante os pais averiguar quais são as razões de interesse naquela determinada situação”, argumenta. Ela é mãe de uma criança de 9 anos e, para lidar com a própria filha, entende encontra no diálogo a chave para prevenção. “Eu não sou da época dele, na minha época eu não tinha acesso a YouTube e outros, mas é a época dela e ela precisa pertencer. Entretanto, para oferecer segurança, eu preciso mostrar que ela não precisa buscar validação na internet”, diz.
Segundo Bulhões, o papel dos pais enquanto agentes protetores se torna ainda mais importante pois não há aparato legislativo que forneça amparo com relação às redes sociais. “Apesar de eles terem um determinado termo [de uso], eles não são eficazes, porque eles [grandes gestores das plataformas] não estão comprometidos com a ética. Eles querem o vício. Legalmente falando, nós ainda temos uma legislação muito fraca, com muitas lacunas para resolver problemas novos do mundo digital, que só estão apenas começando”.