No último dia 02, a Polícia Federal deflagrou uma operação de combate ao contrabando de cigarros em quatro Estados (RS, SC, PR, MT). A operação, denominada Travessia 14, apura também a prática de Lavagem de Dinheiro e estima que o prejuízo com a sonegação de imposto aproxima-se de R$ 2 milhões de reais.
A divulgação na mídia jornalística da operação desencadeou nos meus familiares e amigos aquele velho questionamento. Qual é a diferença entre contrabando e descaminho?
A pergunta apesar de rotineira se faz muito atual, sobretudo porque a Lei nº 13.008/14 alterou recentemente a disposição dos crimes de contrabando e descaminho previstos no Código Penal.
No que tange a estrutura nuclear de cada tipo penal não tivemos nenhuma alteração importante. Dessa forma a prática de contrabando consiste na importação ou exportação de mercadoria proibida, atentando contra a saúde pública e administração pública. Por sua vez, a prática de descaminho é a ilusão do pagamento do tributo de mercadoria permitida, ofendendo a ordem tributária (BALTAZAR JUNIOR, 2014, p. 386).
Apesar disso, a lei 13.008/14 trouxe algumas modificações importantes que serão abordados nesta coluna.
A primeira alteração que daremos destaque diz respeito à separação dos delitos em dois tipos penais distintos. Antes da reforma as duas condutas delitivas estavam descritas no mesmo dispositivo legal, a partir de 2014 o delito de descaminho está descrito no art. 334 e o crime de contrabando no art. 334-A, ambos do Código Penal. Vejamos:
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.
Podemos observar que a separação dos delitos não apresentou conseqüências relevantes ao sistema penal. No entanto, trouxe uma alteração nas penas, uma vez que o delito de descaminho permanece a mesma (1 a 4 anos de reclusão), ao passo que a pena o crime de contrabando foi fixada em 2 a 5 anos de reclusão.
Por conta do caráter mais severo, essencial alertar ao leitor que o aumento da pena do delito de contrabando impacta em questões processuais de suma importância, dentre elas:
- Não se admite mais a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima é superior a 1 ano;
- É admitida a hipótese de prisão preventiva, haja vista que a pena máxima é superior a 4 anos;
Além do mais, as mudanças legislativas também influenciaram no cenário das agravantes. Antes da reforma, tanto o contrabando quanto o descaminho poderiam ter a pena dobrada se o crime fosse praticado por meio aéreo. A partir de agora, além do transporte aéreo, a pena poderá de dobrada se os delitos forem cometidos através de transportes marítimos ou fluviais:
Art. 334 e art. 334-A. 3o A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. Sobre essa alteração, observa-se que o legislador visou estender a agravante para punir de forma mais severa os agentes que praticam o contrabando de cigarros vindo de outros países, em especial do Paraguai. Esse produto, sem dúvida, merece a nossa atenção quando falamos em contrabando devido à freqüência de casos. Para tanto, faremos uma divisão: (i) cigarro brasileiro para exportação e (ii) cigarro estrangeiro.
Os cigarros produzidos no Brasil para exportação gozam de imunidade tributária (art. 153, § 3º, inc. III da CF) e por essa razão não podem ser importados. Nesse caso, não há dúvida que estamos diante do crime de contrabando (TRF3, SER 00042793720094036000, Nelton dos Santos, 2ª Turma, Dje 26.2.13).
Tal prática é muito comum na fronteira com o Paraguai, onde os brasileiros “reimportam” clandestinamente o produto que saiu do Brasil imune de tributo para ser vendido aqui no Brasil.
Agora, em se tratando de cigarro estrangeiro, segundo BALTAZAR JÚNIOR (2014, p. 386)., podemos encontrar três posições: (i) há quem sustente ser um delito de descaminho, pois não se trata de mercadoria proibida; (ii) por outro lado, existem posições que consideram delito de contrabando, pois deve receber o mesmo tratamento dos cigarros nacionais para exportação; e por fim, (iii) existe uma corrente que sustenta que somente há contrabando se a comercialização do cigarro for proibida no Brasil, conforme norma da ANVISA.
Diante disso, alertamos ao leitor que a importação ilegal de cigarros pode ser considerada tanto descaminho quanto contrabando.
REFERÊNCIAS
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014