Declarações do secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, confirmam que foi a expansão da entidade – e sua recusa em detê-la – a causa da guerra na Ucrânia. As admissões de Stolenberg foram destacadas pela articulista australiana Catlin Johnstone, que reverberou os comentários inicialmente assinalados pelo jornalista Thomas Fazi.
“O pano de fundo foi que o Presidente Putin declarou no outono de 2021, e na verdade enviou um projeto de tratado que queriam que a OTAN assinasse, para prometer não mais alargamento da OTAN. Foi isso que ele nos enviou. E foi uma pré-condição para não invadir a Ucrânia. Claro que não assinamos isso”, disse Stoltenberg.
“O oposto aconteceu. Ele queria que assinássemos essa promessa de nunca alargar a Otan. Ele queria que retirássemos a nossa infraestrutura militar em todos os Aliados que aderiram à Otan desde 1997, ou seja, metade da Otan, toda a Europa Central e Oriental, deveríamos remover a Otan dessa parte da nossa Aliança, introduzindo algum tipo de filiação B, ou de segunda classe. Nós rejeitamos isso”, acrescentou.
“Então ele foi à guerra para impedir a Otan, mais Otan, perto das suas fronteiras”, confessou Stoltenberg.
Assim, não passa de uma mentira escabrosa a acusação, lançada dia e noite pela mídiapró- Otan, de que a Rússia invadiu a Ucrânia “numa guerra não provocada”.
Uma mentira tão cínica quanto a das “armas de destruição em massa de Sadam”, usada pelos EUA para invadir o Iraque. Ou a fake news “do ataque norte-vietnamita no Golfo de Tonquin”, para justificar a expansão da Guerra do Vietnã.
A súbita sinceridade de Stoltenberg, que não é dado a essas fraquezas, ocorreu em meio ao frenesi, nas hostes da aliança bélica imperial, quando da oficialização da anexação das neutras Finlândia e Suecia; esta, ainda na fila de espera.
“Quando o presidente Putin invadiu um país europeu para impedir mais Otan, ele está conseguindo exatamente o oposto”, gabou-se o garoto de recados do Pentágono.
“As observações de Stoltenberg provavelmente teriam sido classificadas como propaganda russa por ‘especialistas em desinformação’ financiados por plutocratas e ‘verificadores de fatos’ imperiais se tivessem sido ditas online por alguém como você ou eu” – assinalou Johnstone -, “mas porque vieram do chefe da Otan como parte de uma argumentação contra o presidente russo, foram autorizadas a passar sem objeções”.
Na realidade, destacou a articulista, “Stoltenberg está apenas afirmando um fato bem estabelecido: ao contrário da narrativa oficial ocidental, Putin invadiu a Ucrânia não porque seja mau e odeie a liberdade, mas porque nenhuma grande potência alguma vez permitiu que ameaças militares estrangeiras se acumulassem nas suas fronteiras — incluindo os Estados Unidos”.
Johnstone rememorou que, por anos “tantos analistas e responsáveis ocidentais alertaram que as ações da OTAN iriam provocar uma guerra e, no entanto, quando a guerra eclodiu, fomos atingidos por um tsunami de propaganda nos meios de comunicação social que repetia vezes sem conta que se tratava de uma guerra ‘não provocada’”.
CHANCE APÓS CHANCE DESPERDIÇADA
“Teria sido muito, muito fácil evitar esta guerra horrível. Rampa de saída após rampa de saída foi ultrapassada para nos levar até onde estamos agora. Chance após chance de evitar toda essa morte e miséria inúteis foram desperdiçadas, tanto antes de 2014 quanto em todos os anos desde então”, acrescentou Johnstone.
Uma referência tanto aos recorrentes alertas russos contra a expansão da Otan, quanto a violação dos acordos de Minsk, que eram uma tentativa de encontrar uma saída negociada na Ucrânia, quanto ao próprio golpe da CIA de 2014, que tirou os neonazis do esgoto e os instalou no poder em Kiev, após derrubar um governo democraticamente eleito e, inclusive, rasgar um acordo de saída pacífica, via eleições dentro de um ano, patrocinado pela França e Polônia.
Isso, para não falar que até secretários do Pentágono disseram que era temerário desrespeitar o compromisso com os soviéticos de “não expandir a OTAN” para leste do Oder-Neisse “uma polegada”, feito quando da reunificação alemã.
Ou da ação do governo Trump – mantida por Biden – de rasgar o Tratado INF, que proibia mísseis intermediários – alcance entre 500 e 5000 km – no teatro europeu, tratado que eliminou por três décadas a ameaça da guerra nuclear na Europa. Ou seja, a expansão da Otan anexando a Ucrânia significaria que mísseis armados nuclearmente e da Otan poderiam atingir Moscou ou São Petersburgo em menos de dez minutos.
Sem falar nas confissões da ex-primeira-ministra alemã Ângela Merkel e do ex-presidente francês François Hollande, de que sua mediação nos acordos de Minsk visaram, não a pacificação, mas dar tempo para a Otan entupir de armas a Ucrânia.
AGENTES DE WASHINGTON
Como disse Johnstone, “é horrível como você será chamado de agente do Kremlin por dizer que esta guerra foi provocada pelo expansionismo da Otan e que serve os interesses dos EUA, mesmo quando a Otan diz abertamente que esta guerra foi provocada pelo seu expansionismo e as autoridades dos EUA continuem dizendo abertamente que esta guerra serve aos interesses dos EUA.”
Foi o caso do líder da minoria no Senado, o republicano Mitch McConnell, que postou no Twitter que “apoiar nossos aliados contra a agressão russa não é caridade. Na verdade — é um investimento direto na reposição do arsenal da América com armas americanas construídas por trabalhadores americanos. A expansão da nossa base industrial de defesa coloca a América numa posição mais forte para superar a concorrência da China.”
“Quando os criadores de narrativas oficiais e autorizados reconhecem estas coisas, está tudo bem, mas quando seres humanos normais o fazem, é desinformação do Kremlin”, denunciou Johnstone.
A articulista também aborda a questão da censura oficial sobre aqueles que se recusam a repetir a mentira parida pelos EUA e a Otan. Em suma, ela apontou, “qualquer pessoa que fale online contra a política externa dos EUA em relação à Rússia é sempre imediatamente acusada de ‘repetir narrativas do Kremlin’ por apologistas do império, regurgitando inconscientemente aquilo que lhes foi dito para acreditar por meios de comunicação como o Washington Post, quer tenham alguma coisa a ver com o governo russo ou não”.
“Eu própria não tenho qualquer ligação ou interação com o Estado russo, mas recebo muitas destas acusações todos os dias online apenas por criticar a política externa dos EUA”.
“Se eu fosse o Secretário-Geral da Otan a gabar-se publicamente de como os esforços de Putin para impedir a expansão falharam, não seria problema reconhecer que a expansão da Otan provocou esta guerra depois da recusa [da própria Otan] em evitar um conflito desnecessário. Mas porque estou prejudicando os interesses informativos do império ocidental em vez de os ajudar, isso faz de mim um propagandista russo”.
“O esforço para marginalizar e eliminar a ‘propaganda russa’ nunca teve nada a ver com o combate aos materiais reais divulgados pelo Estado russo (que têm essencialmente zero de existência significativa no mundo ocidental); o esforço sempre consistiu em esmagar a oposição à política externa dos EUA”, concluiu Johnstone.