MAIS DESENVOLVIMENTO

Cid diz em delação que Bolsonaro consultou Forças Armadas sobre golpe após vitória de Lula

O ex-ajudante de ordens Mauro Cid afirmou, em delação premiada que fechou com a Polícia Federal, que o ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular o resultado da eleição de 2022 que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência.

Bolsonaro, no entanto, viu esvaziar sua pretensão de permanecer no Palácio do Planalto pela via do golpe ao ouvir de um militar de alta patente: “Tudo bem, mas você também vai sair.”

A advertência, em tom ríspido, foi dada pelo oficial de alto escalão durante reunião com o então presidente e o tenente-coronel Mauro Cid, realizada depois da eleição de Lula, mas antes da posse do petista.

O recado foi claro: se golpe houvesse seria para impedir a posse de Lula, mas ele próprio, Bolsonaro, acabaria alijado da Presidência. O País passaria por um novo processo eleitoral.

Bolsonaro ouviu a repreensão, que o abateu e fez desistir da estratégia radical de tentar impedir a chegada de Lula ao Planalto.

Nesta quinta, 21, o repórter Aguirre Talento, do portal UOL, e a repórter Bella Megale, de O Globo, publicaram detalhes da colaboração do ex-faz tudo de Bolsonaro. A reportagem do Estadão confirmou essas informações.

Estadão apurou também que a reunião a que se referiu Mauro Cid ocorreu sob uma atmosfera ‘pesada’. No encontro, Bolsonaro revelou sua ousada ‘estratégia’ para tentar impedir a chegada do petista ao Planalto.

A munição para convencer a alta cúpula das Forças Armadas foi uma versão da ‘minuta do golpe’, que daria suporte jurídico à trama. Após exibir o documento, Bolsonaro ouviu de um dos interlocutores: “Mas você também terá de sair (do governo). Não vai poder ficar.” Na prática, o então presidente foi admoestado de que não ficaria ‘ileso’ da aventura.

Mauro Cid relatou à PF que apenas o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, aderiu à proposta. Do grupo, Ganier era o mais alinhado a Bolsonaro.

Os chefes das outras Forças não se empolgaram. O general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, repudiou com veemência o movimento. O então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, também não acolheu a ideia.

Dissuadido, sem apoio, Bolsonaro silenciou.

O tenente-coronel Mauro Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante seu tempo na Presidência. Foto: Dida Sampaio/Estadão© Fornecido por Estadão

De acordo com a delação, Bolsonaro – enquanto ainda era presidente – teria recebido do assessor Filipe Martins uma minuta de decreto para prender adversários e convocar novas eleições. Bolsonaro, então, segundo Cid, teria levado o documento para a alta cúpula das Forças Armadas, obtendo apoio do almirante Almir Garnier Santos.

Como mostrado pelo Estadão no início do ano, Garnier chegou a se negar a participar da passagem de comando da Marinha a seu sucessor, Marcos Sampaio Olsen, indicado por Lula. A ausência do almirante causou mal-estar nas forças.

Na delação, Cid disse que foi testemunha das duas reuniões, quando Bolsonaro recebeu o documento do assessor e também quando levou-o aos militares. Uma das suspeitas dos investigadores é que as articulações a partir dessa reunião resultaram nos atos golpistas do 8 de janeiro. A Polícia Federal ainda investiga se o documento citado por Cid é a mesma minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres.

Veja também