Centenas de policiais, cães farejadores, helicópteros e radares com sensor de temperatura à procura de um homem suspeito de matar uma família e aterrorizar cidades na zona rural de Goiás e no Distrito Federal.
Como se não bastasse, a deputada federal Magda Mofatto (PL-GO) publicou nas redes sociais um vídeo em que aparece com um fuzil dentro de um helicóptero e promete prender o foragido Lázaro Barbosa, de 32 anos.
“Se o Ronaldo Caiado (governador de Goiás) não deu conta de te pegar, eu estou indo aí te pegar”, afirma na peça.
Em 22/06, as buscas completaram duas semanas da morte de quatro pessoas da mesma família. Cláudio Vital, 48, e dois filhos, um de 21 anos e outro de 15, foram encontrados em casa com marcas de tiros e facadas, segundo a polícia. A mãe dos jovens, Cleonice Andrade, 43, foi achada morta três dias depois em um córrego. Para os policiais, Lázaro a sequestrou e a matou com um tiro na cabeça.
Mas para a escritora e criminóloga Ilana Casoy, ações com ares de caçada como a da deputada são apologia ao crime, e o suspeito corre ainda mais risco de vida caso seja encontrado por alguém que não seja um agente de segurança.
“Lamento essa postura. Evoluímos para viver num país onde não existe pena de morte ou execução sumária, então ela não deve ser feita ou incentivada. É muito difícil pegar o Lázaro vivo porque ele não tem a intenção de se entregar. Para que isso aconteça, profissionais como a polícia estão atrás dele porque ele tem muito a explicar e prestar contas da maneira certa”, diz em entrevista à BBC News Brasil.
Casoy reforça que mesmo o Estado não tem permissão para matar, ainda que em casos de grande apelo popular. As exceções são em legítima defesa ou quando há reféns. “Não podemos incentivar algo que até a Bíblia condena. Agora, como um deputado vai explicar para o filho que ele pode matar alguém, mas o Lázaro, não?”
Para a pesquisadora, não há respostas fáceis para explicar tamanho interesse popular em torno da fuga de suspeitos como Lázaro, que atrai audiência para a mídia e gera engajamento nas redes sociais.
“Essa é a pergunta do milhão. Acho que a gente vive um medo muito grande alimentado pela pandemia. Vivemos sob o medo e essa é uma oportunidade onde projetar esse medo de um inimigo invisível. O Lázaro é uma coisa real e que está acontecendo, para onde é possível direcionar esse medo.”
Segundo a criminóloga, a fuga de Lázaro ainda não é longa o bastante para se tornar especialmente demorada, mas é acompanhada pelos brasileiros como se fosse um reality show. A diferença aqui é que ele não pode ser controlado.
“A gente acompanha o noticiário como quem acompanha o Big Brother. O ‘maníaco do parque’ ficou 23 dias foragido após estuprar e matar uma série de mulheres. A gente acompanha esses casos porque sente ansiedade, preocupação e medo.”
“Todos estamos cansados de seguir o ‘reality covid’ e o caso Lázaro gera medo também, que já temos pela pandemia, ou seja, transferimos nosso sentimento de medo de um assunto para outro, como uma retroalimentação. Acaba prendendo nossa atenção pela ameaça à sociedade que se estabelece em comum. Como uma projeção. O medo também gera fascínio, além do suspense do desfecho”, acrescenta Casoy.
‘Erros da imprensa’
A criminóloga avalia que alguns veículos de imprensa estão atrapalhando as ações policiais e fornecendo dicas para que Lázaro consiga escapar.
“Me assusta como a imprensa não se dá conta de como ela atrapalha a polícia. Ela sabe que Lázaro furta celulares e carregadores das vítimas e mesmo assim noticia a localização da polícia o dia todo. Como ele conhece a mata, vai ficar cada vez mais difícil encontrá-lo.”
Casoy cita outros episódios em que, segundo ela, a imprensa atrapalhou a atuação policial, como no caso Eloá, garota de 15 anos que morreu durante um sequestro na Grande São Paulo. A especialista afirma que a cobertura ao vivo de uma TV oferecia dicas para o sequestrador que fazia a garota e a amiga reféns dentro de casa.
No caso das buscas por Lázaro, a criminóloga diz que a imprensa também erra ao citar supostos fatores religiosos ou espirituais como possível motivação para os crimes.
“Há o reforço de um preconceito com a igreja de matriz afro-brasileira. Reforçam que Lázaro está possuído pelo demônio porque ele usa objetos relacionados ao candomblé. E isso é muito perigoso. Quando um assassino é evangélico, a religião dele não é reforçada para justificar nada. Crucifixos e a estrela de Davi também não viram pauta quando é usada por um assassino.”
Para ela, citar a religião do suspeito também alimenta preconceitos e atrapalha o desenvolvimento cultural do país.
No dia 19 de junho, sacerdotes de terreiros afro-brasileiros divulgaram uma nota afirmando terem sofrido abordagens truculentas da polícia durante as buscas por Lázaro.
Policiais entraram em terreiros em Águas Lindas, Girassol, Cocalzinho e Edilândia.
No comunicado, os líderes religiosos manifestaram “repúdio aos violentos ataques racistas praticados contra as casas de matrizes africanas” e se queixaram da tentativa de associá-las ao foragido.
Em resposta, a Secretaria de Segurança de Goiás afirmou que estava “trabalhando com um único propósito: garantir a paz à população da região e capturar Lázaro Barbosa, nos limites da legalidade”.
Outro ponto criticado por Casoy é a série de adjetivos que veículos de imprensa usam para descrever Lázaro, como serial killer e psicopata. A criminóloga conta que durante uma entrevista foi sido pressionada por funcionários de uma equipe de TV a classificar Lázaro dessa maneira, mas ela se recusou.
“Falar do comportamento criminoso dele é fácil com base nos crimes que ele cometeu: estelionatário, latrocida, estuprador. Mas fazer um diagnóstico pela televisão não é possível. Ele precisa ser examinado e o laudo de 2013 que ele fez não se refere a nenhum distúrbio mental. Muita coisa pode ter mudado e um novo exame pode apontar, mas não um novo crime”, afirmou.
Casoy afirma também que ainda não há elementos suficientes para classificar Lázaro como serial killer, adjetivo que atrai ainda mais audiência. Ela explica que é raríssimo surgir um criminoso desse tipo, não apenas no Brasil, mas em qualquer país.
“Matar em série é raro porque são casos mais ligados a questões psicológicas do que a uma vida criminosa. Assassinos seriais têm questões importantes de simbologia. O objetivo é dele, a fantasia é dele e aquele crime completa as necessidades psicológicas dele.”
A especialista diz que a investigação policial sobre assassinatos em série é complexa porque o motivo dele é simbólico e faz sentido para o criminoso, mas nem sempre para os policiais.
Ela explica que um dos pontos que qualifica alguém como serial killer, além do número de mortes em sequência, é seguir um ritual, um modus operandi e ter uma espécie de assinatura nos crimes. Isso faz com que os crimes se conectem e façam sentido na imaginação do assassino.
‘Cobertura inescapável’
Diante de tamanho interesse do público, é possível aos veículos de imprensa ignorar o caso ou destacá-lo sem sensacionalismo?
Para o professor de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci, a fuga de Lázaro é uma “cobertura inescapável e necessária da imprensa”.
“É uma cobertura que precisa ser feita. Podemos discutir como deve ser feita em cada veículo, mas existe uma comunidade que está passando muito medo e está mobilizada. Há uma operação policial de proporções enormes que também precisa ser noticiada”, afirma em entrevista à BBC News Brasil.
Bucci diz que esse não é um caso que se tornou relevante por causa dos adjetivos usados pelos jornalistas que o cobrem, mas pela magnitude usada pela própria polícia e pelo volume de policiais envolvidos.
O pesquisador destaca a preocupação e a necessidade de informações da população local como o segundo ponto que justifica a cobertura massiva da imprensa no caso.
“Um criminoso ataca casas, sequestra pessoas, faz reféns e está todo mundo com medo, precisando de informação. Essa mobilização também obriga a imprensa a dar uma cobertura focada para quem mora na região.”
Bucci afirma que esse tipo de cobertura jornalística é diferente de fazer jornalismo sensacionalista. Isso ocorre, segundo ele, quando a imprensa relata casos sem embasamento ou inflando situações corriqueiras.
“Em programas policiais sensacionalistas, por exemplo, qualquer deslocamento de uma viatura da Rota (tropa de elite da PM paulista) vira razão para que o assunto domine o telejornal. Eles criam um clima desnecessário de alarmismo, o que não acontece nesse caso do Lázaro”, afirmou.
Ele citou como outro exemplo o caso da Escola Base, quando diversos veículos de comunicação publicaram reportagens dizendo que professores e donos de uma escola infantil abusavam sexualmente das crianças. No fim, nada foi provado e alguns veículos foram condenados a pagar indenizações aos donos do colégio.