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MEC muda regra do Fies e cobrará na justiça 584 mil alunos em atraso

O Fies foi uma das principais fontes de receita do ensino superior particular nesta década.

Com expectativa de ter em 2020 o recorde de inadimplência do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Ministério da Educação (MEC) mudou regras do programa para poder cobrar na Justiça cerca de 584 mil estudantes com prestações atrasadas há mais de um ano. Resolução publicada nesta sexta-feira, 27, no Diário Oficial da União libera a cobrança judicial desses contratos, firmados até o 2.º semestre de 2017, que somam rombo de R$12 bilhões. Hoje, a cobrança da dívida só é feita no âmbito administrativo.

O programa federal financia parte do valor de cursos em faculdades privadas por juros mais baixos do que os de mercado e o aluno começa a pagar a dívida 18 meses após a formatura. O Fies foi uma das principais fontes de receita do ensino superior particular nesta década.

O balanço de contratos com potencial de cobrança na Justiça consta em nota técnica do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do MEC responsável pelo Fies, de 18 de dezembro.

A inadimplência no programa bate recordes desde 2015. No 1.º semestre deste ano, 59% dos contratos em amortização (quando se inicia a cobrança do financiamento) tinham atraso – 47% atrasados em mais de 90 dias, quando se passa a considerar o aluno inadimplente. Projeções do MEC indicam que o recorde da dívida deve ocorrer em 2020, quando começa o prazo de pagamento de quem conseguiu o Fies em 2014 – auge do programa, com mais de 700 mil novos contratos – para cursos mais caros e longos, como Engenharias e Medicina.

Entre as alterações para novos contratos está a exigência de o aluno ter nota mínima de 400 pontos na Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Antes, só se exigia não zerar a Redação, além de média 450 na parte objetiva (Português, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas) da prova, o que foi mantido. Segundo o MEC, as novas regras “privilegiam a meritocracia”.

Empresários de faculdades privadas e especialistas defendem novos mecanismos de cobrança, mas também que se busque renegociar dívidas. Criticam ainda regras que tornam mais difíceis o acesso ao financiamento. O Estado apurou que empresários do setor temem que o MEC use a alta inadimplência como justificativa para “desidratar” o Fies, com regras que o tornem inviável. Já economistas têm apontado a necessidade de tornar o Fies sustentável, de modo a pesar menos nas contas públicas.

A resolução prevê ainda reduzir para a metade o total de vagas oferecidas em 2019 – são previstos 54 mil financiamentos por ano a partir de 2021. O acesso ao Fies está mais difícil desde 2015 e boa parte das vagas fica ociosa por causa da mudança de regras – como a eliminação do financiamento 100% e a exigência de nota mínima no Enem.

Reações

“O aluno de família de baixa renda não consegue alcançar essa nota e fica fora do programa. E é esse jovem que também não consegue entrar em uma universidade pública”, afirma Sólon Caldas, da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes).

Rodrigo Capelato, do Sindicato das Entidades Mantenedoras do Ensino Superior (Semesp), diz que o País estava bem economicamente e houve incentivo para que o jovem recorresse ao programa. “Mas, quando ele se formou, o Brasil estava em crise, sem emprego.”

Criado em 1999, o Fies teve explosão de contratos em 2010, quando os juros caíram de 6,5% para 3,4% ao ano, abaixo da inflação. Além disso, a exigência de fiador foi relaxada e o prazo de quitação, alongado. Muitas faculdades passaram a incentivar alunos já matriculados a não pagar a mensalidade, mas a entrar no Fies, transferindo o risco de inadimplência para o governo.

Fernanda Teixeira, de 28 anos, firmou o contrato do Fies em 2014, no pico do programa, para estudar Letras. Formada em 2017, nunca conseguiu trabalhar na área em que se graduou nem pagou nenhuma parcela, de R$ 21 mil. “Eu não teria conseguido fazer faculdade sem Fies, mas, se soubesse que estaria nesta situação, não faria a dívida. Sou a única da família com ensino superior, mas meu nome está sujo e não consigo trabalhar na área que gostaria. É muito frustrante”, conta ela.

Entenda as mudanças

Cobrança judicial: Contratos com parcelas vencidas há 360 dias poderão ser cobradas judicialmente. Os fiadores também podem ser acionados. Hoje, a dívida só é cobrada de forma administrativa.

Desempenho: Exige nota mínima de 400 pontos na Redação do Enem para novos contratos. Antes, só era preciso não zerar na Redação e ter média de 450 pontos nas provas objetivas (o que foi mantido).

Transferência: A transferência de graduação só será permitida se o aluno tiver nota no Enem igual ou superior à média do último ingressante, com Fies, no último processo seletivo

Financiamento privado já supera o público

O MEC deixou nos últimos anos de ser o principal financiador de estudantes no ensino superior privado. Em 2018, pela primeira vez, o número de financiamentos privados superou os dois principais programas do governo federal, o Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni).

Dados do Censo da Educação Superior mostram a expansão de formas alternativas no mercado particular, como contrato com bancos privado, empresas especializadas em crédito estudantil e empréstimos ou concessão de bolsas nas próprias faculdades, que já chega a 1,6 milhão de matrículas.

Em 2018, Fies e ProUni somaram 1,3 milhão de matrículas. Até 2016, o Fies era, sozinho, o responsável pela maior parte dos financiamentos. No ano passado, o número de graduandos com contrato com o Fundo já era 30% menor (820 mil).

“Com a sinalização de que os programas não seriam mais prioridade do governo, as faculdades começaram a buscar alternativas”, diz Rodrigo Capelato, diretor do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp).

No total de financiamentos particulares também estão inclusas as bolsas concedidas dentro de programas governamentais – em contrapartida, elas recebem isenção fiscal ou abatem dívidas com a União.

Há dois anos, quando decidiu fazer graduação, Juliana Carvalho, de 24 anos, viu muitos dos seus amigos do ensino médio já endividados com o Fies e foi aconselhada a não pegar financiamento. “Até hoje eles não sabem como vão pagar. Decidi que esperaria até ter condições de bancar a mensalidade.”

No início do ano, ela conseguiu, por meio da plataforma Quero Bolsa, um desconto de 70% para cursar Fotografia, tendo que pagar mensalidade de R$ 300. “O valor cabe no meu orçamento e não vai me comprometer futuramente. Preferi esperar um ano do que começar a faculdade sem saber com que dívida sairia no final.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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