O Brasil não está preparado para enfrentar as possíveis consequências em caso de descriminalização da maconha para consumo próprio. É o que defendem juízes e desembargadores do Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc). Para a entidade, o país pode se tornar ainda mais violento.
Os membros do Fórum sustentam que há diversas experiências de países que descriminalizaram o uso de maconha e não tiveram resultados positivos “seja pela ausência de preparo prévio do sistema de saúde pública para receber novas e diferentes demandas sociais, seja porque não se prepararam, frente à segurança pública, para possibilidade de surgimento do estado paralelo do comércio dessas drogas e, igualmente, pela disputa do narcotráfico pela fabricação”.
A entidade cita o exemplo da Holanda. Ressaltam que existem manifestações do prefeito de Amsterdã, Jozias Johannes van Aartsen, além da polícia e do Ministério Público holandês, alertando que a criminalidade está aumentando com o surgimento de mais grupos criminosos e de uma “economia paralela” baseada no tráfico de drogas.
A entidade tem como base uma reportagem do jornal El País na qual um relatório da polícia holandesa destaca que “a liberdade do consumo de maconha nos coffee shops tem influenciado a proliferação de gangues e organizações criminosas, que a polícia não tem capacidade de combater”.
O grupo lembra ainda a experiência uruguaia, onde a maconha é descriminalizada desde dezembro de 2013. “Há registros de que o aumento da criminalidade é associado a tensões pelo controle dos pontos de venda após a redução de parte do mercado ilegal”, afirmam. “Em Montevidéu, a área onde são registrados mais crimes violentos, as autoridades reconhecem que cerca de 45% dos homicídios tiveram relação com brigas entre narcotraficantes pelo controle de território”, completam.
Usuário x traficante
Os magistrados são contrários à opinião do ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, apresentada no julgamento do Recurso Extraordinário 635.659. Barroso indica a quantidade de 25 gramas como razoável para caracterizar o uso para consumo, mas eles defendem que o melhor a ser decidido seria deixar nas mãos dos juízes a avaliação e distinção entre usuário e traficante como já é previsto na lei de drogas vigente (11.343/2006).
“Reafirmamos que esse critério, para quem lida no dia a dia com esse enfrentamento que são os Juízes Criminais, seria o mais adequado para a referida distinção, pois qualquer quantidade objetiva poderia levar ao entendimento injusto e equivocado sobre a caracterização como usuário ou traficante”, dizem.
A entidade de magistrados levantou como 44 países lidam com a questão de saber identificar e diferenciar o tráfico do consumo próprio. Na Argentina, por exemplo, os juízes são responsáveis por determinar, de acordo com as circunstâncias, se a quantidade é considerada pequena. Diferente do que acontece na Colômbia, por exemplo, onde até 20 gramas de maconha se encaixa no uso pessoal, assim como o máximo de 20 mudas da planta.
Já no Canadá, como ressalta a Fonajuc, apesar do uso não ser descriminalizado, há uma lei para especificar o que é considerado uso e o que é visto como tráfico de maconha no país. Quem for pego com menos de 30 gramas de maconha não é considerado traficante, mas pode pegar até seis meses de prisão e ter de pagar uma multa de US$ 1.000.
Em caso descriminalização
O Fonajuc afirma que, caso o Supremo Tribunal Federal decida pela descriminalização da maconha, há a “necessidade urgente de uma melhora efetiva na política pública de assistência social”. O problema, sustentam os magistrados, não é apenas de saúde pública, mas também educacional, sociocultural e histórico do país.
Como medidas efetivas sobre o tema em caso de liberação da maconha, os juízes sugerem a inclusão nos ensinos públicos e privados de assuntos como prevenção do uso de drogas, situações de risco e redução de danos “com a devida formação dos profissionais da educação, a fim de se evitar a precarização do ensino, sem viés ideológico”.
Também é apontada como necessária a criação de zonas livres de venda e consumo e espaços próprios para o uso. “Isso facilitaria a fiscalização do tráfico e possibilitaria ações efetivas preventivas, como disponibilização de assistência médica global e multidisciplinar próxima a essas regiões”, defendem os magistrados com base em experiências já existentes em países como a Alemanha, Canadá e Holanda.
“A lógica de treinamento e capacitação não pode ser somente na redução de danos, mas na prevenção, tratamento do usuário e atendimento social e psicológico à família, podendo estender a comunidade que acolhe o usuário”, diz o Fonajuc.