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Laboratórios vendem remédios ao SUS acima do preço máximo permitido

Em dez anos, o governo aplicou R$ 67,9 milhões em multas a laboratórios e distribuidoras por oferta e venda de medicamentos ao SUS acima do preço máximo permitido para esses produtos.

Os dados são de levantamento inédito da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão interministerial que é responsável por estabelecer critérios e fiscalizar esses preços. O balanço obtido após pedido da Folha aponta que, ao todo, foram aplicadas 494 multas desde 2008, a maioria delas depois de denúncias das secretarias estaduais e municipais de Saúde.

A avaliação entre técnicos do governo, porém, é que são poucos os casos que chegam ao conhecimento da câmara, que obriga a aplicação de descontos nas vendas de determinados remédios ao setor público desde 2007. O volume de irregularidades, assim, pode ser ainda maior.

São casos em que as empresas ofertaram ou venderam medicamentos ao SUS por valores acima do teto de preço definido pela Cmed para esses produtos, chamado de PMVG (preço máximo de venda ao governo). Em geral, o PMVG é composto pelo teto de preço de fábrica permitido para cada produto, o qual é estipulado depois do registro do medicamento, e um desconto mínimo fixo para as vendas públicas –de 19,28%.

Hoje, esse desconto é obrigatório, entre outros, para medicamentos de alto custo, hemoderivados ou para tratamento de DST/Aids e câncer. Além das cobranças extras em vendas ao SUS, levantamento da Cmed aponta ainda R$ 16,4 milhões em multas por irregularidades no setor privado –quando há descumprimento de preços máximos para vendas a farmácias e consumidores.

Somado, o total de multas chega a R$ 84,3 milhões. O órgão não informou quanto já foi pago até agora. Afirma apenas que, entre 2012 e 2016, foram recebidos R$ 2,1 milhões –ou 2,5% do total. O valor é destinado ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, administrado pelo Ministério da Justiça e aplicado em ações de reparação de danos causados após infrações.

Atualmente, sete empresas respondem por 286 processos de infrações na Cmed, a maioria por descumprimento de preço máximo em vendas ao setor público. Juntas, elas respondem por 60% do valor total em multas do órgão.

A primeira da lista é a Hospfar, que responde por 51 processos, com multa de R$ 13,7 milhões. Em seguida, está a Help Farma, multada em R$ 12 milhões, e a Medcomerce, com R$ 8 milhões. A maioria atribui o problema à falta de informação e orientação sobre as regras da Cmed ou às falhas de editais das secretarias de saúde.

Já representantes das secretarias locais apontam pressão judicial e alta rotatividade de técnicos e gestores como fatores que levam a compras acima do preço.

PREJUÍZOS

A situação tem sido alvo de análise dos órgãos de controle, como CGU (Controladoria-Geral da União) e TCU (Tribunal de Contas da União).

Relatório divulgado em agosto pela CGU, por exemplo, encontrou preços até 20% acima do limite máximo em cinco Estados (Amapá, Piauí, Santa Catarina, Roraima e Rio Grande do Norte). O trabalho analisou as verbas destinadas ao Componente Especializado de Assistência Farmacêutica, programa do Ministério da Saúde.

Para a controladoria, o descumprimento do preço-teto para venda ao governo “não se trata apenas de problema financeiro, mas também implica em volume menor de medicamentos que pode vir a ser adquirido para o SUS”.

Em Santa Catarina, o órgão verificou que, só na compra de 180 mil cápsulas de dois tipos de pancreatina, remédio indicado para fibrose cística e problemas no pâncreas, o valor cobrado estava 20% acima do limite máximo. Resultado: prejuízo de R$ 43,7 mil.

No Amapá, ao analisar a compra de 29 medicamentos, a equipe de fiscalização viu que seis deles estavam acima do PMVG. Um deles era Leuprorrelina, indicado para câncer de próstata.

Ao todo, foram adquiridos 50 frascos-ampola do produto, no valor de R$ 1.122,65 cada. O preço máximo de venda ao governo, porém, era de R$ 931,17 –R$ 191,48 a menos. Em alguns casos, a demora ao verificar o descumprimento do preço máximo gera prejuízo ainda maior.

Em Minas Gerais, por exemplo, uma auditoria em compras feitas pela secretaria estadual de saúde entre 2008 e 2012 apontou prejuízo de R$ 28 milhões por valores acima do PMVG.

ALÉM DO PREÇO

Mas o que leva à compra de medicamentos acima do preço máximo permitido?

Segundo secretarias de saúde e técnicos ouvidos pela Folha, a hipótese é que isso ocorra tanto por desconhecerem a lista de preços máximos válidos para alguns medicamentos, disponibilizada no site e em resoluções da Cmed, quanto por estratégia de algumas empresas, sobretudo em casos de urgência na compra –caso de ações judiciais, por exemplo. Prefeituras, assim, estariam mais vulneráveis ao problema por realizarem compras menores.

Elton Chaves, assessor técnico do Conasems (conselho que reúne secretários municipais de saúde), diz que a distribuição irregular do mercado faz com que o preço máximo seja frequentemente usado não como um limite, mas como valor de referência pelas distribuidoras. “Os municípios ficam reféns dessa situação de mercado. Alguns consideram o preço da Cmed, mas têm licitação deserta. Vira uma realidade imposta”, afirma.

Ainda de acordo com Chaves, muitas secretarias deixam de denunciar cobranças acima do preço por medo de não encontrar outro distribuidor para obter os remédios. A falta de atenção ao valor máximo, no entanto, eleva os gastos do SUS. “Sem um preço justo, o poder de compra do município diminui, e também o acesso aos medicamentos”, afirma.

O governo federal chegou a se envolver num embate com empresas e associações da indústria farmacêutica ao concentrar em apenas três laboratórios, sem licitação, um mercado de seis medicamentos usados no SUS, num montante de R$ 1,44 bilhão.

Conforme antecipado nesta segunda-feira (16) pela coluna “Mercado Aberto”, da Folha, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, planeja implementar algumas mudanças ainda neste ano, com a ideia de fixar prazos mais rígidos e alterar a forma de pagamento às farmacêuticas.

OUTRO LADO

Empresas com maiores valores de multas por oferta ou vendas ao SUS acima do limite de preço máximo de venda ao governo negam irregularidades e atribuem o problema a falhas de editais lançados por secretarias de saúde. Outras alegam ainda falta de informações no início da aplicação de desconto para vendas a órgãos públicos. A posição é compartilhada por associações que representam o setor.

“A montagem do edital e a falta de orientação do governo gerava essas dúvidas”, diz Paulo Maia, presidente-executivo da Abradimex (Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especiais e Excepcionais), que orienta hoje aos associados para que sigam as regras da Cmed.

Segunda na lista com maior valor cobrado em multas, a Help Farma diz que o problema ocorreu devido a regras diferentes de editais da secretaria de saúde de Minas Gerais entre 2008 a 2010. Ela recorre da cobrança. “O edital é soberano, e ele não exigia o CAP [coeficiente de adequação de preço, nome dado ao desconto aplicado para vendas ao setor público]”, afirma o diretor comercial da empresa, Leonardo Campos.

Já a Hospfar, líder em valor cobrado em multas, diz que não se manifestaria porque os processos ainda não foram julgados, mas diz praticar preços “em plena consonância com os editais licitatórios e legislação vigente”. A distribuidora afirma buscar uma “regulamentação isonômica do mercado de medicamentos”.

A principal queixa são as regras de desoneração do ICMS, também considerado na avaliação dos preços máximos de venda ao governo, “que não desoneram o setor de medicamentos como um todo”. Outra empresa citada na lista, a Nunesfarma afirma que os casos ocorreram na época de início da aplicação dos descontos que foram o PMVG, quando as empresas do setor estavam “em fase de implementação e adequação às mudanças na regulamentação”.

“A empresa assegura que tomou as devidas providências para implementação e respeito às atualizações e atua em conformidade com o estabelecido”, completa. Outra empresa citada na lista, a Expressa afirma que recorre dos processos na Cmed e que foi absolvida por órgãos de controle e STJ (Superior Tribunal de Justiça). Também na lista das sete empresas com maior volume de multas, Medcomerce, Opem e Nutoth não responderam.

Para Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, associação que representa farmacêuticas, os casos que envolvem as indústrias são “pontuais” e pode haver erro de cálculo após reajustes de preços de medicamentos.

SECRETARIAS

Parte das secretarias de saúde citadas em relatórios recentes da CGU atribui as compras acima do preço a casos de urgência na compra ou a falta de verificação anterior. Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina afirma que as pancreatinas que constam no relatório da CGU foram adquiridas para cumprir ação judicial. “Desta forma, a SES-SC é obrigada a comprar mesmo com o custo fora dos parâmetros”, diz.

A pasta afirma enviar ofício a Cmed sobre os motivos da compra fora do valor orientado. Já a secretaria de Minas Gerais afirma que as multas e fiscalizações partiram de levantamento feito pela pasta em 2011 em todos os processos de aquisições de medicamentos. O trabalho resultou em denúncias a Cmed sobre valores acima do preço acima e cobrança de ressarcimento das empresas. Ao todo, R$ 6 milhões já foram devolvidos, informa.

Questionadas sobre relatórios que apontaram compras até 20% acima do preço entre 2013 e 2014, as secretarias estaduais de saúde do Amapá, Rio Grande do Norte, Roraima e Piauí não responderam ou não quiseram comentar.

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